O
presidente eleito dos Estados Unidos deve ter certamente suas
virtudes – afinal, conquistou delegados suficientes para superar
sua adversária: a democrata Hillary Clinton –, mas entre essas
virtudes não computo a sutileza. Os primeiros decretos presidenciais
comprovam isto. Se a política é a arte da negociação, construir
um muro na fronteira com o país vizinho e impedir a entrada de
cidadãos de nações muçulmanas em território norte-americano está
distante de revelar um perfil diplomático. Donald Trump não se
mostra para muita conversa, e talvez seja essa faceta de sua
personalidade que tenha atraído a simpatia do eleitorado
conservador. Trump faz o tipo chefão austero e carrancudo que se
notabilizou no ramo dos negócios imobiliários, cassinos, hotéis e
entretenimento. Uma figura avessa a qualquer inclinação
politicamente correta que não se constrange em afirmar que obrigará
o governo mexicano a pagar os gastos da construção do famigerado
muro e nem tampouco de suscitar dúvidas a respeito da nacionalidade
de Barack Obama. Goste-se de Donald Trump ou não, é preciso admitir
que se trata de uma figura política sui generis.
Mesmo
que a imprensa tente construir uma imagem exageradamente negativa de
Donald Trump, o fato inegável é que ele representa uma mudança
política cujas consequências não se restringem à sua atuação. O
discurso de Trump tem elementos conservadores e nacionalistas que se
coadunam com o ressurgimento de linhas políticas mais direitistas na
Europa. Sua visão a respeito dos imigrantes – principalmente
árabes – é compartilhada por Marine Le Pen, candidata à
presidência da França. Outros países da comunidade europeia também
já demonstraram estar dispostos a dar uma guinada no sentido de um
conservadorismo político. Sem dúvida, existe também um discurso
mais tradicionalista na atual ideologia vigente do governo russo, o
que justifica, de certo modo, a aproximação que houve entre Donald
Trump e Vladimir Putin durante a campanha presidencial dos Estados
Unidos. Portanto, o cenário mundial está distante de ser antagônico
ao surgimento de um personagem do quilate de Donald Trump.
Por
mais que surpreendam os decretos iniciais de Donald Trump, urge
tentar entendê-los dentro de um contexto mais amplo. Certamente suas
decisões não se tratam apenas de características da personalidade
que lhe cabe. Trump tem realmente seu estilo, e gostem ou não, ele
caiu nas graças de um eleitorado que clamava por ordem e segurança.
Porém, como disse antes, o modo Trump de ser mais se encaixa em um
cenário específico do que o constrói. É evidente que o fato de
ser o presidente da nação mais importante do mundo dá a seu papel
protagonismo, no entanto, neste momento não se pode afirmar que ele
esteja manifestando-se em um idioma político indiscernível. Ele se
expressa em um tom que parece ser a tônica da atualidade. Pois além
do pânico causado pelo terrorismo islâmico – o qual pretende
justificar o impedimento de cidadãos muçulmanos de certos países
ingressarem em território norte-americano –, existe também um
saturamento com linhas ideológicas que tradicionalmente defendem
conceitos como, por exemplo, o globalismo e o multiculturalismo. Em
um mundo no qual o Islã esforça-se na tentativa de impor um
califado universal sob a égide da sharia, dizimando populações
inteiras em uma limpeza étnica sem precedentes, é natural que
surjam vozes no Ocidente com discurso anti-islâmico. Gente que não
está disposta a oferecer aos muçulmanos a tolerância que eles
próprios se negam a outorgar, por exemplo, aos cristãos residentes
em território árabe. Depois de décadas de abertura a outras
culturas, os ocidentais começam a fazer contas, e concluir que os
projetos globalistas e multiculturalistas decerto ocasionaram uma
situação catastrófica.
Para além das polêmicas
suscitadas pelas decisões do presidente norte-americano, duas
questões exigem ser discutidas:
1ª) A forma como Donald
Trump começa o mandato é realmente tão problemática – conforme
coloca a mídia liberal – quanto a ameaça do terrorismo
islâmico?
2ª) Quais serão os limites próprios do
estilo de Trump no contexto do sistema político
norte-americano?
Parece curioso como a sensibilidade de
certos grupos sociais e de determinada linha de imprensa aflora-se
diante da postura do atual governo, pois o que se observa, em
contrapartida, é muitas vezes indiferença no que tange à
perseguição islâmica às comunidades cristãs no Oriente. Se
existe uma situação calamitosa na atualidade, esta não é decerto
o posicionamento de Donald Trump contrário à imigração, mas sim o
ataque civilizacional ao cristianismo. Permitir-se forjar uma visão
pessoal da realidade baseada única e exclusivamente no noticiário
liberal é acreditar em uma exacerbação do caráter problemático
da atual presidência norte-americana, e, sobretudo, não enxergar
com clareza suficiente onde se localiza, de fato, a verdadeira crise.
Significa assumir uma ótica interpretativa distorcida. Observe-se,
por exemplo, que na última semana de seu mandato, o ex-presidente
Barack Obama retirou as prerrogativas dadas aos imigrantes cubanos de
adquirem direito de moradia em território norte-americano quando em
fuga da ilha. Tal decisão, no entanto, não suscitou semelhante má
vontade da classe jornalística e nem tampouco de outros governantes
estrangeiros, o que prova cabalmente a existência de uma
distorção.
Urge também considerar, como contraponto,
que as atitudes primeiras de Donald Trump refletem a posição que
escolheu durante toda a sua vida no comando de suas empresas e no
programa televisivo que apresentou. Trump sempre foi o chefão
poderoso cuja determinação tornava-se lei independente do quanto
isso pudesse ocasionar desagrado. Trata-se, sem qualquer dúvida, de
um empresário bem-sucedido que edificou uma imagem pessoal de homem
severo cujos resultados financeiros são de competência assegurada.
Nessa situação, ele não necessita confrontar-se com outros poderes
– ele é o poder absoluto! – porém, como presidente, suas ações
estarão parcialmente limitadas pela coexistência dos poderes
legislativo e judiciário. Isto já começa a acontecer com o embate
que, neste momento, Trump tem travado com o juiz federal de Seattle
que suspendeu a medida que proibia a entrada no país de refugiados e
cidadãos de sete países. Essa circunstância talvez revele que a
falta de tarimba diplomática e sua personalidade centralizadora
poderá inviabilizar, na prática, o mandato do presidente
eleito.
Só o tempo dirá, afinal, se essa onda
conservadora protegerá Donald Trump de suas dificuldades ou se ele
será tragado pelo ataque daqueles que se mostram reticentes às suas
posturas.
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