O
surgimento da psicanálise com Sigmund Freud encontra-se intimamente
vinculado à tentativa de oferecer uma abordagem terapêutica
diferente acerca dos problemas psicológicos dos pacientes. Os
métodos utilizados até aquele momento não levavam em consideração
a hipótese do inconsciente como depósito de impulsos reprimidos
que, passado certo tempo, gerava neuroses e outras enfermidades. Com
os estudos freudianos, o olhar observador do analista se deteve na
história do desenvolvimento do paciente, desde a sua infância até
a fase adulta, passando por marcantes fases na busca de satisfação
prazerosa: as fases oral (amamentação), anal (defecação) e fálica
(libido). Freud abandona métodos de tratamento puramente
fisiológicos, e começa a investigar a psique dos indivíduos
através de um processo caracterizado pelo diálogo, ou seja, através
da fala, o paciente é dirigido a realizar a abertura de seu
histórico psicológico. Desse modo, descobre como as figuras materna
e paterna influenciavam na estruturação da personalidade humana
através do famoso complexo de Édipo. Para o criador da psicanálise,
todas as principais tendências da natureza pessoal de cada paciente
determinam-se nos primeiros anos de existência, tornando-se
imprescindível escrutar as relações familiares mais essenciais a
fim de compreender e solucionar as questões psicológicas.
Mas
todo o desenvolvimento psicológico não ocorre sem que exista uma
situação constante de conflito. O ser humano encontra-se no centro
de uma espécie de batalha psicológica na qual o ego sofre a pressão
dos impulsos naturais (Id) e é concomitantemente reprimido pela ação
do superego. Quando se refere à força das pulsões, Freud aborda
diretamente o âmbito dos desejos, da busca incessante de satisfação
prazerosa, circunstância que é parte integrante de qualquer
personalidade humana, conquanto não esteja vinculada essencialmente
aos hemisférios da razão ou então do intelecto, e sim ao
hemisfério dos instintos. Instigar o ego à realização dos
desejos, dos apetites, nisto constitui a função do Id.
Originalmente, Sigmund Freud não defende que o ser humano tenha que
se entregar à fruição de todos os impulsos, no entanto, tenta
compreender como a repressão a essas pulsões naturais pode causar
neuroses. Em seu famoso trabalho O Mal-estar na Civilização, o pai
da psicanálise afirma que a sociedade humana depende da repressão
aos instintos fundamentais para estabelecer-se e ter continuidade
histórica. Se o impulso ao incesto não for reprimido, por exemplo,
a estrutura familiar ficará comprometida, e isso abalaria os pilares
da civilização. Portanto, ainda que a repressão cause neuroses ou
mal-estar, como ele mesmo descreve, se tal não ocorresse
dificilmente as sociedades humanas existiriam.
Isso
coloca a questão do superego em uma posição ambígua. De certo
modo, Sigmund Freud julga que esse elemento restringe a liberdade dos
desejos, limita as pulsões, ocasionando nos indivíduos um
desconforto que nem sempre é resolvido em âmbito psicológico.
Porém, sem o superego, supõe-se que os seres humanos estariam
entregues a toda sorte de animalidade, submetidos aos instintos mais
fundamentais da natureza, à agressividade desenfreada, por exemplo,
o que dificultaria, consequentemente, a convivência social. Então
como compreender o superego? A psicanálise freudiana não sugere que
o superego deva ser abolido, aliás, nem sequer acredita nessa tal
possibilidade. Trata-se de um elemento constituinte da psicologia
humana, e em vez de extingui-lo, urge entendê-lo no intuito de
evitar exageros constrangedores em sua atuação. Sem dúvida, inibir
as pulsões, ainda que psicologicamente conflitante, favorece o
desenvolvimento civilizacional e, muito frequentemente, exerce
determinada proteção sobre as pessoas. Se os instintos elementares
se encontrassem livres de entraves, dificilmente os pacientes seriam
realmente capazes de reconhecer os limites do ambiente e também da
liberdade dos outros. Constrangido pela ação do superego, o ego
evita entregar-se a uma rotina desregrada. De fato, subsiste nessa
relação uma tônica legisladora e moralizante que, dentro de
fronteiras razoáveis, mostra-se até mesmo salutar. O trabalho de
Sigmund Freud busca, entretanto, descobrir um modo de controlar a
tendência tirânica do superego a fim de descobrir soluções
terapêuticas para os males psicológicos que acontecem devido à sua
influência exagerada.
Provavelmente,
antes de estimular a supressão absoluta do superego ou a liberação
total das pulsões, interessa buscar o equilíbrio entre essas duas
forças atuantes na estrutura psicológica. Se o ego terá
necessariamente que subsistir no centro dessa realidade conflitante,
cabe descobrir o modo de conviver com impulsos e censuras, jamais se
deixando subjugar. De certa forma, a psicanálise carrega a missão
não de suprimir elementos constituintes da psicologia humana, mas
antes de estabelecer o equilíbrio, a sanidade mental dos pacientes.
Quando o psicanalista aborda os dilemas relativos ao estado
psicológico dos indivíduos com esse objetivo, caminha rumo à cura
das doenças. Sempre é bom recordar que o consultório não deve ser
encarado como o campo de batalha onde se travam lutas teóricas ou
conceituais. O fim da psicanálise não é comprovar esta ou aquela
teoria: trata-se, no fundo, de oferecer ao paciente um processo
terapêutico suficientemente capaz de aliviar seus sofrimentos. Nesse
sentido, conduzi-lo ao equilíbrio é entregar um bem precioso que
está acima das disputas intelectuais.
Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).
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