" " NOVA CASTÁLIA: A POSIÇÃO AMBÍGUA DO SUPEREGO NA OBRA FREUDIANA

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domingo, 7 de janeiro de 2018

A POSIÇÃO AMBÍGUA DO SUPEREGO NA OBRA FREUDIANA


O surgimento da psicanálise com Sigmund Freud encontra-se intimamente vinculado à tentativa de oferecer uma abordagem terapêutica diferente acerca dos problemas psicológicos dos pacientes. Os métodos utilizados até aquele momento não levavam em consideração a hipótese do inconsciente como depósito de impulsos reprimidos que, passado certo tempo, gerava neuroses e outras enfermidades. Com os estudos freudianos, o olhar observador do analista se deteve na história do desenvolvimento do paciente, desde a sua infância até a fase adulta, passando por marcantes fases na busca de satisfação prazerosa: as fases oral (amamentação), anal (defecação) e fálica (libido). Freud abandona métodos de tratamento puramente fisiológicos, e começa a investigar a psique dos indivíduos através de um processo caracterizado pelo diálogo, ou seja, através da fala, o paciente é dirigido a realizar a abertura de seu histórico psicológico. Desse modo, descobre como as figuras materna e paterna influenciavam na estruturação da personalidade humana através do famoso complexo de Édipo. Para o criador da psicanálise, todas as principais tendências da natureza pessoal de cada paciente determinam-se nos primeiros anos de existência, tornando-se imprescindível escrutar as relações familiares mais essenciais a fim de compreender e solucionar as questões psicológicas.

Mas todo o desenvolvimento psicológico não ocorre sem que exista uma situação constante de conflito. O ser humano encontra-se no centro de uma espécie de batalha psicológica na qual o ego sofre a pressão dos impulsos naturais (Id) e é concomitantemente reprimido pela ação do superego. Quando se refere à força das pulsões, Freud aborda diretamente o âmbito dos desejos, da busca incessante de satisfação prazerosa, circunstância que é parte integrante de qualquer personalidade humana, conquanto não esteja vinculada essencialmente aos hemisférios da razão ou então do intelecto, e sim ao hemisfério dos instintos. Instigar o ego à realização dos desejos, dos apetites, nisto constitui a função do Id. Originalmente, Sigmund Freud não defende que o ser humano tenha que se entregar à fruição de todos os impulsos, no entanto, tenta compreender como a repressão a essas pulsões naturais pode causar neuroses. Em seu famoso trabalho O Mal-estar na Civilização, o pai da psicanálise afirma que a sociedade humana depende da repressão aos instintos fundamentais para estabelecer-se e ter continuidade histórica. Se o impulso ao incesto não for reprimido, por exemplo, a estrutura familiar ficará comprometida, e isso abalaria os pilares da civilização. Portanto, ainda que a repressão cause neuroses ou mal-estar, como ele mesmo descreve, se tal não ocorresse dificilmente as sociedades humanas existiriam.

Isso coloca a questão do superego em uma posição ambígua. De certo modo, Sigmund Freud julga que esse elemento restringe a liberdade dos desejos, limita as pulsões, ocasionando nos indivíduos um desconforto que nem sempre é resolvido em âmbito psicológico. Porém, sem o superego, supõe-se que os seres humanos estariam entregues a toda sorte de animalidade, submetidos aos instintos mais fundamentais da natureza, à agressividade desenfreada, por exemplo, o que dificultaria, consequentemente, a convivência social. Então como compreender o superego? A psicanálise freudiana não sugere que o superego deva ser abolido, aliás, nem sequer acredita nessa tal possibilidade. Trata-se de um elemento constituinte da psicologia humana, e em vez de extingui-lo, urge entendê-lo no intuito de evitar exageros constrangedores em sua atuação. Sem dúvida, inibir as pulsões, ainda que psicologicamente conflitante, favorece o desenvolvimento civilizacional e, muito frequentemente, exerce determinada proteção sobre as pessoas. Se os instintos elementares se encontrassem livres de entraves, dificilmente os pacientes seriam realmente capazes de reconhecer os limites do ambiente e também da liberdade dos outros. Constrangido pela ação do superego, o ego evita entregar-se a uma rotina desregrada. De fato, subsiste nessa relação uma tônica legisladora e moralizante que, dentro de fronteiras razoáveis, mostra-se até mesmo salutar. O trabalho de Sigmund Freud busca, entretanto, descobrir um modo de controlar a tendência tirânica do superego a fim de descobrir soluções terapêuticas para os males psicológicos que acontecem devido à sua influência exagerada.

Provavelmente, antes de estimular a supressão absoluta do superego ou a liberação total das pulsões, interessa buscar o equilíbrio entre essas duas forças atuantes na estrutura psicológica. Se o ego terá necessariamente que subsistir no centro dessa realidade conflitante, cabe descobrir o modo de conviver com impulsos e censuras, jamais se deixando subjugar. De certa forma, a psicanálise carrega a missão não de suprimir elementos constituintes da psicologia humana, mas antes de estabelecer o equilíbrio, a sanidade mental dos pacientes. Quando o psicanalista aborda os dilemas relativos ao estado psicológico dos indivíduos com esse objetivo, caminha rumo à cura das doenças. Sempre é bom recordar que o consultório não deve ser encarado como o campo de batalha onde se travam lutas teóricas ou conceituais. O fim da psicanálise não é comprovar esta ou aquela teoria: trata-se, no fundo, de oferecer ao paciente um processo terapêutico suficientemente capaz de aliviar seus sofrimentos. Nesse sentido, conduzi-lo ao equilíbrio é entregar um bem precioso que está acima das disputas intelectuais.

Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).

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