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quarta-feira, 29 de março de 2017

VIAGEM A TERESÓPOLIS


Sozinho na rodoviária de Teresópolis, às seis e meia da manhã, em pleno carnaval, tive que escolher, em breves momentos, se tomava o próximo ônibus de retorno a São Paulo ou se aceitava a aventura de viver experiências não exatamente programadas. Saíra da capital paulistana no sábado, e viajara a noite inteira na expectativa de me encontrar com alguém. Mas tendo chegado à rodoviária, não encontrei quem se comprometera a me aguardar. Não conhecia Teresópolis, nunca havia estado naquela cidade da região serrana do Rio de Janeiro. Somente pesquisara alguns pontos turísticos na internet, e trazia na mochila as esperanças de vivenciar aqueles dias na companhia da pessoa com quem planejara a viagem. Se retornasse a São Paulo, carregaria comigo o sentimento de frustração. Se ficasse, admitindo outra solução, abriria as portas para me surpreender. Convicto, preferi ficar, mesmo que o projeto inicial tivesse fracassado redondamente.

Pouco antes de embarcar, acessando sites sobre a cidade de Teresópolis, tomei conhecimento de um hostel chamado A Casa Azul. Para lá me dirigi a pé, em uma manhã nublada de sábado, com o endereço na mão e a curiosidade de fruir uma experiência inesperada. Quando cheguei ao local, fui recepcionado por Maria Leão, a proprietária do hostel que, com muita simpatia e hospitalidade, me acolheu. Logo na entrada fui surpreendido por uma estante onde alguns livros encontravam-se em exposição. Dentre eles, observei imediatamente Morangos Selvagens, o romance da autoria de Maria Leão. Naturalmente, isso foi uma boa surpresa. Maria logo se identificou como escritora, e eu fiz exatamente o mesmo, estabelecendo rapidamente uma via interessante de diálogo.

Vamos ter oportunidade de conversar sobre literatura, Gabriel – disse Maria. – Mas antes deixa eu te mostrar os aposentos do hostel, assim você toma um banho e descansa um pouco. Deve estar exausto devido à viagem.

Sentia-me realmente tão fatigado que desabei na cama, e dormi durante horas. Quando despertei, tempos depois, refleti sobre aqueles dias que passaria em Teresópolis. Como tinha planejado minha viagem com outra pessoa, a mesma que me abandonara na rodoviária sem dar qualquer satisfação, na realidade não dispunha de nenhuma expectativa. Mas, em contrapartida, achava-me aberto às possibilidades. Foi com esse espírito que entrei em contato com os outros hóspedes do hostel. Como eu, existiam ali indivíduos que estavam na cidade pela primeira vez. Todos dispostos a se aventurar um pouco.

Na cozinha, Alexandra, do Rio de Janeiro, me ofereceu um café, e conversando com ela, soube que era a primeira vez que viajava sozinha e se hospedava em um hostel. Pensando nos pontos turísticos da cidade, eu disse:

Gostaria de visitar o mirante do Dedo de Deus.

Quando pretende ir? – ela perguntou.

Amanhã.

Eu estou aqui há dois dias e ainda não conheci quase nada de Teresópolis.

Se quiser, pode me acompanhar ao mirante.

Sério?

Mas é claro.

Então ficamos combinados.

No dia seguinte, uniu-se a nós outro hóspede chamado Isaac. Diferente de Alexandra, o nosso amigo já havia viajado bastante e era mais experiente. Seguimos, assim, até o mirante que, muito frequentemente, figura como cartão-postal de Teresópolis.

Embora o céu não estivesse totalmente aberto, ocorreu-nos a felicidade de visualizar o Dedo de Deus e outras formações montanhosas. Trata-se realmente de uma visão exuberante. Há uma sequência de elevações rochosas, sendo que, entre elas, uma se caracteriza pela aparência alongada, muito semelhante a um indicador apontando na direção do firmamento. Tivemos também a sorte de admirar, a distância, a Baía de Guanabara. Mesmo estando a quilômetros de distância do Rio de Janeiro, Teresópolis encontra-se a tal atitude que o vislumbre daquela região torna-se possível.

Tiramos inúmeras fotografias, e depois decidimos ir caminhando até a Granja Comary, visitar o local de treinos da seleção brasileira e o lago artificial. O trajeto foi longo e bem cansativo, mas o passeio valeu o sacrifício.

À noite, no hostel, finalmente tive a oportunidade de conversar sobre literatura com a escritora Maria Leão.

Me fale sobre os Morangos Selvagens – eu comecei.

Esse livro foi idealizado como uma peça de teatro, mas em algum momento alguém me sugeriu transformá-lo em um romance. Na hora fiquei assustada, mas decidi aceitar o desafio. Depois de escrito, mandei os originais para várias editoras, no entanto, só tive respostas negativas. Estava quase desistindo quando, numa noite, bebendo um vinho e me sentindo decepcionada, aceitei fazer uma última tentativa. Mandei o livro para uma editora portuguesa, e, tempos depois, recebi uma resposta positiva. Os editores estavam interessados em publicar o Morangos Selvagens.

Com meus livros a história foi diferente – eu disse. – Preferi não ir atrás de editoras. Mandei publicá-los por conta própria e assim vou vendendo principalmente no Facebook. É onde encontro meus leitores.

Pois é, encontrar leitores é o grande desafio.

Maria Leão contou-me que participava de um círculo de escritores de Teresópolis que reunia textos e publicava em coletâneas.

Acho muito interessante a convivência com outros autores, Maria. Porém, a verdade é que, mais importante do que constituir um círculo de escritores, é construir um círculo de leitores. Afinal de contas, escrevemos para ser lidos.

Concordo. Mas confesso que venho encontrando alguma dificuldade.

Uma coisa que o autor precisa entender é que muito provavelmente os leitores não virão atrás do livro. É necessário que o escritor se dedique arduamente a conquistar esses leitores. É tolice pensar que basta publicar o livro e ficar esperando que a editora faça a divulgação do trabalho. Na realidade, cabe ao autor dar o sangue para fazer seus escritos se tornarem conhecidos.

Pouco a pouco fui explicando a Maria meu método de divulgação, e ela se comprometeu a colocá-lo em prática.

No dia seguinte, embora alguns hóspedes do hostel tenham me convidado para um passeio que fariam, decidi ir sozinho até o Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Sabendo disso, Maria Leão me aconselhou que fizesse duas trilhas: Mozart Catão e Cartão-postal. Para subir a trilha Mozart Catão demorei cerca de quarenta minutos, embrenhando-me em meio à vegetação da serra, cansando-me, muitas vezes, e seguindo as indicações que encontrava no caminho. Finalmente, depois do esforço, cheguei ao ponto final, onde existe um miradouro que oferece a belíssima perspectiva da cidade de Teresópolis do alto. São setecentos metros de subida, e dali vemos o município totalmente. Uma paisagem de tirar o fôlego. A descida foi naturalmente tranquila, e como me havia comprometido a fazer ambas as trilhas, segui um tanto até encontrar a entrada para a trilha Cartão-postal. Para ser muito sincero, estava um tanto cansado, mas não desejava abandonar o parque sem antes ter as duas experiências. Foi com esse intuito que me embrenhei na segunda trilha e comecei a subir. São mil e duzentos metros em ascensão, em um caminho muito bem sinalizado, embora em um grau de dificuldade algo exigente. Muitas vezes tive a necessidade de interromper a subida para descansar ou me hidratar. Quando cheguei ao topo, tive a belíssima visão do Dedo de Deus, mas agora de uma posição diferente: estava praticamente na mesma altura. Lamentavelmente, meu celular se danificou durante a subida, e não tive a oportunidade de tirar fotografias, mas, independente disso, garanto que a experiência foi realmente inesquecível.

Depois desse exercício corporal pesado, sentia-me fisicamente consumido. Há tempos não me exauria assim. Como sou uma criatura do elemento água, o único desejo que sentia naquele momento era mergulhar em alguma cachoeira ou coisa semelhante a fim de readquirir as energias. Por sorte, dentro do parque existe uma piscina natural, e foi exatamente ali que nadei durante quase uma hora, sentindo o líquido gelado em contraste com o corpo, relaxando os músculos, e me reconfortando após o esforço empreendido. De fato, quando me sequei e sai do parque, praticamente não me encontrava exausto como antes. O contato com a água tinha recuperado minha disposição.

Como ficaria somente três dias em Teresópolis, à noite embarquei de retorno a São Paulo. Mesmo que a viagem não tivesse ocorrido do modo planejado, estava bastante satisfeito com o resultado. Pois aceitara o desafio de enfrentar uma situação adversa, e além de conhecer lugares fantásticos e viver experiências marcantes, ainda tinha também entrado em contato com pessoas interessantes.

Realmente valeu cada segundo.



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quarta-feira, 22 de março de 2017

LEANDRO KARNAL E A RUÍNA DA INTELIGÊNCIA




O cenário intelectual brasileiro não é exatamente dos mais profícuos. Por esse mesmo motivo não me surpreendo com a nova polêmica que tomou conta da internet: o professor universitário Leandro Karnal, de tendências progressistas, figura televisiva e sempre muito chegado à agenda liberal dos esquerdistas, foi fotografado em um restaurante jantando com o juiz Sérgio Moro. Na realidade, a foto foi postada na página de Facebook do próprio professor, com um breve comentário acerca dos projetos que ambos teriam em comum. Todos sabem que Sérgio Moro notabilizou-se na Lava Jato, e justamente por isso tornou-se inimigo número um do petismo. Para ser sincero, quando vi a fotografia, além do fato de observar duas figuras antagônicas social e intelectualmente compartilhando a mesma cena, não cheguei considerar que a própria circunstância pudesse suscitar qualquer tipo de escândalo. Mesmo não seguindo a linha de pensamento de Leandro Karnal, admito que ele goze do status de intelectual junto a um público expressivo, e nada mais natural que, sendo assim, eventualmente se relacione com as personalidades proeminentes da nação. Mas ocorre que para a corriola esquerdista que o admirava, esse encontro soou como uma espécie de traição à causa. Parece que o careca roeu a corda.

Consta que Leandro Karnal surpreendeu-se com a repercussão causada pela circunstância e com a indignação causada entre os seguidores da esquerda. Sentar-se à mesma mesa com o inimigo número um do petismo e ainda afirmar projetos em comum é indesculpável. Karnal conheceu na pele uma das facetas mais doentias do socialismo: a perseguição ideológica a todos aqueles que saem da casinha. Mas isso não deveria causar nele tanto espanto. Na prática, Leandro Karnal sempre foi um adepto do marxismo cultural, e esse seguimento da corrente ideológica cria cenários próprios à perseguição. No máximo, o professor provou do veneno que vem ajudando a disseminar no Brasil. Suponho que não deva ter sido uma experiência muito agradável, e o referido acusou o golpe, tendo retirado velozmente a fotografia de sua página no Facebook. Publicou também uma espécie de mea-culpa patético. Enfim, queimou o filme com os esquerdistas primeiramente, e se chegou a despertar a simpatia de alguns conservadores, logo perdeu isso também ao se persignar servilmente diante desses petistas indignados.

Na justificativa esdrúxula apresentada por Leandro Karnal, o professor argumenta não enxergar problema no encontro com figuras proeminentes do cenário nacional – também eu afirmei o mesmo acima. Nisto nós concordamos. De fato, um intelectual que se preze necessita estar atento aos diversos fenômenos políticos da sociedade brasileira, e ainda que pertença a um grupo específico ou defenda determinados valores particulares, não deve se furtar ao conhecimento em primeira mão de um personagem emblemático: neste caso, o juiz Sérgio Moro. Realmente, no momento histórico atual, o magistrado ostenta um dos papéis mais importantes do país, e, tendo oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, o intelectual teria a obrigação de aproveitar. Sou um escritor de pensamento mais tradicionalista e católico por devoção, mas também não me furtaria a conhecer pessoalmente alguma figura de convicção ou credo diferentes, pois algo sempre se aproveita desse contato. O equívoco de Leandro Karnal não foi ter postado a foto com Sérgio Moro. Seu verdadeiro erro consiste em não ter sido pedagógico, e digo isso porque em seu mea-culpa, o professor gaba-se de algumas décadas ofertadas ao ensino. Diante da reação, Karnal deveria ter-se dirigido ao público com uma lição: testemunhar a história com proximidade é tudo o se exige de um intelectual. Um intelectual não se abstém dessa obrigação, e tira da experiência as conclusões que lhe parecerem mais corretas. No entanto, ao ceder tão rapidamente à investida dos seguidores esquerdistas, talvez Leandro Karnal tenha dado a entender que não merece, de forma alguma, o título de intelectual.

Se isso não fosse suficiente, em seu pedido público de desculpas, o professor cometeu uma incongruência vexatória. Na ânsia de mostrar-se compreensivo, um exemplo de tolerância, admite que seus admiradores e detratores têm total liberdade de amá-lo ou odiá-lo. Aparentemente, ele se manterá imune a isso. Nesse ato de extrema condescendência, revela o aspecto mais cômico de sua tentativa de bancar o típico sujeito inclinado a defender direitos e liberdades. Não obstante, como é possível conceder aos outros inclusive o direito de odiá-lo quando a si mesmo não concede a possibilidade de postar uma fotografia no Facebook? Em seu impulso irresistível e liberalizante, Leandro Karnal sacrifica a independência de uma suposta atividade intelectual apenas para satisfazer a sanha de um determinado grupo.

Honestamente, a figura de Leandro Karnal nunca chegou a me convencer. Se hoje essa mesma impressão deixou de ser uma particularidade minha, e tornou-se uma convicção pública, isto somente comprova que, ao fim e ao cabo, eu não estava equivocado.

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