Sozinho
na rodoviária de Teresópolis, às seis e meia da manhã, em pleno
carnaval, tive que escolher, em breves momentos, se tomava o próximo
ônibus de retorno a São Paulo ou se aceitava a aventura de viver
experiências não exatamente programadas. Saíra da capital
paulistana no sábado, e viajara a noite inteira na expectativa de me
encontrar com alguém. Mas tendo chegado à rodoviária, não
encontrei quem se comprometera a me aguardar. Não conhecia
Teresópolis, nunca havia estado naquela cidade da região serrana do
Rio de Janeiro. Somente pesquisara alguns pontos turísticos na
internet, e trazia na mochila as esperanças de vivenciar aqueles
dias na companhia da pessoa com quem planejara a viagem. Se
retornasse a São Paulo, carregaria comigo o sentimento de
frustração. Se ficasse, admitindo outra solução, abriria as
portas para me surpreender. Convicto, preferi ficar, mesmo que o
projeto inicial tivesse fracassado redondamente.
Pouco
antes de embarcar, acessando sites sobre a cidade de Teresópolis,
tomei conhecimento de um hostel chamado A Casa Azul. Para lá me
dirigi a pé, em uma manhã nublada de sábado, com o endereço na
mão e a curiosidade de fruir uma experiência inesperada. Quando
cheguei ao local, fui recepcionado por Maria Leão, a proprietária
do hostel que, com muita simpatia e hospitalidade, me acolheu. Logo
na entrada fui surpreendido por uma estante onde alguns livros
encontravam-se em exposição. Dentre eles, observei imediatamente
Morangos Selvagens, o romance da autoria de Maria Leão.
Naturalmente, isso foi uma boa surpresa. Maria logo se identificou
como escritora, e eu fiz exatamente o mesmo, estabelecendo
rapidamente uma via interessante de diálogo.
– Vamos
ter oportunidade de conversar sobre literatura, Gabriel – disse
Maria. – Mas antes deixa eu te mostrar os aposentos do hostel,
assim você toma um banho e descansa um pouco. Deve estar exausto
devido à viagem.
Sentia-me
realmente tão fatigado que desabei na cama, e dormi durante horas.
Quando despertei, tempos depois, refleti sobre aqueles dias que
passaria em Teresópolis. Como tinha planejado minha viagem com outra
pessoa, a mesma que me abandonara na rodoviária sem dar qualquer
satisfação, na realidade não dispunha de nenhuma expectativa. Mas,
em contrapartida, achava-me aberto às possibilidades. Foi com esse
espírito que entrei em contato com os outros hóspedes do hostel.
Como eu, existiam ali indivíduos que estavam na cidade pela primeira
vez. Todos dispostos a se aventurar um pouco.
Na
cozinha, Alexandra, do Rio de Janeiro, me ofereceu um café, e
conversando com ela, soube que era a primeira vez que viajava sozinha
e se hospedava em um hostel. Pensando nos pontos turísticos da
cidade, eu disse:
– Gostaria
de visitar o mirante do Dedo de Deus.
– Quando
pretende ir? – ela perguntou.
– Amanhã.
– Eu
estou aqui há dois dias e ainda não conheci quase nada de
Teresópolis.
– Se
quiser, pode me acompanhar ao mirante.
– Sério?
– Mas
é claro.
– Então
ficamos combinados.
No
dia seguinte, uniu-se a nós outro hóspede chamado Isaac. Diferente
de Alexandra, o nosso amigo já havia viajado bastante e era mais
experiente. Seguimos, assim, até o mirante que, muito
frequentemente, figura como cartão-postal de Teresópolis.
Embora
o céu não estivesse totalmente aberto, ocorreu-nos a felicidade de
visualizar o Dedo de Deus e outras formações montanhosas. Trata-se
realmente de uma visão exuberante. Há uma sequência de elevações
rochosas, sendo que, entre elas, uma se caracteriza pela aparência
alongada, muito semelhante a um indicador apontando na direção do
firmamento. Tivemos também a sorte de admirar, a distância, a Baía
de Guanabara. Mesmo estando a quilômetros de distância do Rio de
Janeiro, Teresópolis encontra-se a tal atitude que o vislumbre
daquela região torna-se possível.
Tiramos
inúmeras fotografias, e depois decidimos ir caminhando até a Granja
Comary, visitar o local de treinos da seleção brasileira e o lago
artificial. O trajeto foi longo e bem cansativo, mas o passeio valeu
o sacrifício.
À
noite, no hostel, finalmente tive a oportunidade de conversar sobre
literatura com a escritora Maria Leão.
– Me
fale sobre os Morangos Selvagens – eu comecei.
– Esse
livro foi idealizado como uma peça de teatro, mas em algum momento
alguém me sugeriu transformá-lo em um romance. Na hora fiquei
assustada, mas decidi aceitar o desafio. Depois de escrito, mandei os
originais para várias editoras, no entanto, só tive respostas
negativas. Estava quase desistindo quando, numa noite, bebendo um
vinho e me sentindo decepcionada, aceitei fazer uma última
tentativa. Mandei o livro para uma editora portuguesa, e, tempos
depois, recebi uma resposta positiva. Os editores estavam
interessados em publicar o Morangos Selvagens.
– Com
meus livros a história foi diferente – eu disse. – Preferi não
ir atrás de editoras. Mandei publicá-los por conta própria e assim
vou vendendo principalmente no Facebook. É onde encontro meus
leitores.
– Pois
é, encontrar leitores é o grande desafio.
Maria
Leão contou-me que participava de um círculo de escritores de
Teresópolis que reunia textos e publicava em coletâneas.
– Acho
muito interessante a convivência com outros autores, Maria. Porém,
a verdade é que, mais importante do que constituir um círculo de
escritores, é construir um círculo de leitores. Afinal de contas,
escrevemos para ser lidos.
– Concordo.
Mas confesso que venho encontrando alguma dificuldade.
– Uma
coisa que o autor precisa entender é que muito provavelmente os
leitores não virão atrás do livro. É necessário que o escritor
se dedique arduamente a conquistar esses leitores. É tolice pensar
que basta publicar o livro e ficar esperando que a editora faça a
divulgação do trabalho. Na realidade, cabe ao autor dar o sangue
para fazer seus escritos se tornarem conhecidos.
Pouco
a pouco fui explicando a Maria meu método de divulgação, e ela se
comprometeu a colocá-lo em prática.
No
dia seguinte, embora alguns hóspedes do hostel tenham me convidado
para um passeio que fariam, decidi ir sozinho até o Parque Nacional
da Serra dos Órgãos. Sabendo disso, Maria Leão me aconselhou que
fizesse duas trilhas: Mozart Catão e Cartão-postal. Para subir a
trilha Mozart Catão demorei cerca de quarenta minutos,
embrenhando-me em meio à vegetação da serra, cansando-me, muitas
vezes, e seguindo as indicações que encontrava no caminho.
Finalmente, depois do esforço, cheguei ao ponto final, onde existe
um miradouro que oferece a belíssima perspectiva da cidade de
Teresópolis do alto. São setecentos metros de subida, e dali vemos
o município totalmente. Uma paisagem de tirar o fôlego. A descida
foi naturalmente tranquila, e como me havia comprometido a fazer
ambas as trilhas, segui um tanto até encontrar a entrada para a
trilha Cartão-postal. Para ser muito sincero, estava um tanto
cansado, mas não desejava abandonar o parque sem antes ter as duas
experiências. Foi com esse intuito que me embrenhei na segunda
trilha e comecei a subir. São mil e duzentos metros em ascensão, em
um caminho muito bem sinalizado, embora em um grau de dificuldade
algo exigente. Muitas vezes tive a necessidade de interromper a
subida para descansar ou me hidratar. Quando cheguei ao topo, tive a
belíssima visão do Dedo de Deus, mas agora de uma posição
diferente: estava praticamente na mesma altura. Lamentavelmente, meu
celular se danificou durante a subida, e não tive a oportunidade de
tirar fotografias, mas, independente disso, garanto que a experiência
foi realmente inesquecível.
Depois
desse exercício corporal pesado, sentia-me fisicamente consumido. Há
tempos não me exauria assim. Como sou uma criatura do elemento água,
o único desejo que sentia naquele momento era mergulhar em alguma
cachoeira ou coisa semelhante a fim de readquirir as energias. Por
sorte, dentro do parque existe uma piscina natural, e foi exatamente
ali que nadei durante quase uma hora, sentindo o líquido gelado em
contraste com o corpo, relaxando os músculos, e me reconfortando
após o esforço empreendido. De fato, quando me sequei e sai do
parque, praticamente não me encontrava exausto como antes. O contato
com a água tinha recuperado minha disposição.
Como
ficaria somente três dias em Teresópolis, à noite embarquei de
retorno a São Paulo. Mesmo que a viagem não tivesse ocorrido do
modo planejado, estava bastante satisfeito com o resultado. Pois
aceitara o desafio de enfrentar uma situação adversa, e além de
conhecer lugares fantásticos e viver experiências marcantes, ainda
tinha também entrado em contato com pessoas interessantes.
Realmente valeu cada segundo.
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