Diante
da revolução causada pelo advento dos meios de comunicação em
massa, e sobretudo a internet, cujo surgimento teve a capacidade de
encurtar distâncias, eis que a psicanálise defronta-se com certos
temas recorrentes que não deixam de ser contraditórios. Um deles
consiste exatamente no fato de termos a possibilidade de manter
contato
com milhares de pessoas através de redes sociais como o Facebook e,
ao mesmo tempo, estarmos sujeitos à solidão e a quadros
depressivos. A constatação de tais circunstâncias suscita questões
relevantes, e cabe ao psicanalista investigar as consequências disso
na estrutura psíquica dos analisados. Conquanto o manejo desses
meios de comunicação tenha aberto horizontes, a relação meramente
virtual não demonstra a capacidade de saciar carências naturais.
Refiro-me a carências de consistência física vinculadas à
afetividade que somente podem ser saciadas por quem se mostra
presente.
Também
é interessante analisarmos como os indivíduos reagem à exposição
persistente aos modelos elaborados pelo show business. Filmes,
seriados, novelas e clipes musicais estabelecem cenários com
personagens e enredos que não são exatamente a realidade da
maioria, desse modo criando parâmetros que se transformam em ideal
daqueles que se encontram à mercê dessa influência. Há demasiado
glamour, culto à beleza e ao sucesso, ilusão do dinheiro em
abundância, e tudo isso que aparentemente é sedutor, está também
em contraposição à realidade comum. Quando ocorre a comparação
entre a simplicidade da existência comezinha e os modelos
artificiais de comportamento construídos pelo show business,
constata-se diferenças que são flagrantes, e consequentemente
surgem a decepção, a sensação de inferioridade, e uma tendência
significava para o surgimento da depressão. Toda expectativa não
cumprida tem a capacidade de ocasionar frustrações, e esse
contraste entre a realidade e os símbolos de status das indústrias
de entretenimento certamente pode produzir uma situação frustrante.
Se
considerarmos a extensão dessas influências na cultura da sociedade
contemporânea, entenderemos o quanto as pessoas estão sujeitas a
desenvolver quadros depressivos. O efeito causado pelo entretenimento
superficial oferecido por redes sociais e também pelo show business
pode ser comprometedor, e a camuflagem de distrações forjada devido
a esse contato escamoteia os verdadeiros problemas dos quais os
indivíduos padecem eventualmente. De fato, não costuma existir
nessa dependência com a cultura do entretenimento qualquer interesse
real pelo conhecimento da verdade, qualquer estímulo verídico de
alimentar laços afetivos duradouros, nem tampouco interesse sincero
de buscar os bens mais valiosos da existência humana. Sempre que o
psicanalista defronta-se com um diagnóstico dessa natureza, há dois
estágios de tratamento que necessariamente devem ser cumpridos: em
primeiro lugar, dissipar as ilusões que obnubilam a consciência, a
fim de que o analisado reencontre o princípio da realidade; e em
segundo lugar, auxiliar esse analisado no processo de conhecimento de
si mesmo, desenvolvendo sua personalidade naquilo que precisa ser
desenvolvida, e estabelecendo valores sólidos em contraponto ao que
é superficial.
Para
além da depressão surgida como resultado de uma circunstância
inerente ao contexto cultural desta época, contexto que muito
frequentemente privilegia a frivolidade, existem também casos que
ocorrem de modo diverso, ou seja, como sintomas de uma crise
existencial mais profunda. Há quadros dessa espécie, e isso
costumeiramente vem retratado inclusive em obras artísticas, pois
não é exatamente incomum que pessoas dedicadas à vida artística
ou intelectuais sofram males de características depressivas. Nos
casos ora aludidos, reconhece-se claramente posturas diferentes no
que tange ao sofrimento experimentado durante a enfermidade: de fato,
inúmeros artistas conseguem traduzir em trabalhos consistentes os
elementos característicos da depressão, realizando assim a
sublimação. Transformar o sofrimento em algo diferente, elevar sua
condição, engendrando uma experiência do tipo catártica revela-se
próprio de personalidades artísticas complexas. Muitas delas,
inclusive, foram escrutadas por psicanalistas competentes, e hoje
servem como modelos exemplares de personalidade humana.
O
diálogo do filósofo Boécio com a musa Filosofia demonstra
perfeitamente bem esse estado de tristeza extrema que talvez pudesse
conduzir o indivíduo ao suicídio não fosse o
movimento benfazejo no sentido da verdade. As contrariedades da
existência, as injustiças, as decepções, enfim, tudo aquilo que
nos afeta psicologicamente pode suscitar o início de um cenário
depressivo, e a atitude pessoal diante destas situações determinará
a possibilidade de cura ou o mergulho na escuridão da doença.
Quando o indivíduo tem um compromisso autêntico com a verdade, o
processo psicanalítico demonstra êxito. David
E. Zimerman escreve: "Em
diversas passagens de seus textos técnicos, Freud reiterou o quanto
ele considerava a importância que a verdade representa para a
evolução exitosa do processo psicanalítico. Mais exatamente, a sua
ênfase incidia na necessidade de que o psicanalista fosse uma pessoa
veraz, verdadeira e que somente a partir dessa condição fundamental
é que a análise poderia, de fato, promover as mudanças verdadeiras
nos analisandos. Dessa firme posição de Freud, podemos tirar uma
primeira conclusão: mais do que unicamente uma obrigação de ordem
ética, a regra do amor à verdade também se constitui como um
elemento essencial de técnica de psicanálise." (Fundamentos
Psicanalíticos,
Porto
Alegre – Artmed – 2007).
Também encontramos na obra de Fiódor Dostoievski a situação
adversa da prisão e da tristeza transformada em trabalho artístico.
O escritor russo, tendo passado anos cumprindo pena por conspiração
contra o Czar, relatou suas experiências angustiantes na Sibéria em
um romance autobiográfico: Recordações da Casa dos Mortos. Ali a
aflição de ter a liberdade usurpada, o contato rude com outros
prisioneiros, as dificuldades do clima invernal, tudo tem o potencial
de ocasionar um quadro depressivo. Se essa
circunstância
não sucedeu, se tanto Boécio quanto Dostoievski extraíram luz da
escuridão, isso definitivamente mostra que a
depressão não é o último estágio possível.
Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).
Nenhum comentário:
Postar um comentário