Houve uma ocasião em que o célebre filósofo da cidade foi ao encontro do
sábio eremita. Subiu alguns quilômetros na encosta íngreme das montanhas onde
habitava o ermitão, e tendo enfim chegado ao topo, admirou-se da bela paisagem.
Logo que lhe aconteceu a oportunidade de confabular com o eremita, o filósofo disse:
– Mestre, louvo sobremaneira o modo de existência que escolheu. Observo desta
altura a cadeia de montanhas, a vegetação de variadas tonalidades, as
cachoeiras que descem dos cumes e formam um rio belíssimo abaixo – de onde
consigo escutar, deslumbrado, o cântico rumoroso das águas. Sei agora,
testemunhando esse ambiente, que desistir da convivência humana e buscar o
contato próximo com a natureza é realmente a melhor escolha. Tudo aquilo que
contemplo é bom, e percebo assim como os homens da cidade são maus e egoístas,
como estão constantemente inclinados a destruir e a corromper a si mesmos e aos
outros em busca de dinheiro e poder.
– Os homens são maus diversas vezes. Contudo, a maldade
dos seres humanos ainda não é um motivo suficiente para alguém decidir viver
como eremita.
– Qual seria esse motivo, mestre?
– Deus. Se busco a vida isolada nas montanhas e o contato
com a natureza é porque desejo ardentemente encontrá-lo em mim e absolutamente em tudo.
– Permita-me dizer, mestre, que na minha visão a natureza
é divina, e contemplá-la é a única religião que conheço. Os pássaros, as
árvores, aquele rio correndo no sopé das montanhas, nisso tudo deposito
tranquilamente a minha fé. Porque sei que tudo isso existe e tudo me contenta.
– Diga-me, caro filósofo, o senhor se considera um deus?
– Claro que não!
– Caso os pássaros, as árvores e aquele rio tivessem a
capacidade de refletir, e vendo o filósofo, chegassem à conclusão de que ele é
um ser divino, neste caso, os pássaros, as árvores e o rio estariam muito
equivocados. Porque o senhor mesmo admite que a si mesmo não se considera um
deus. Estou correto?
– Penso que sim.
– Somos todos integrantes da mesma natureza. Seres diferentes,
mas oriundos de uma idêntica fonte de realidade. Portanto, se a nossa
existência natural não deve ser confundida com a própria divindade,
isso também é válido para o restante.
O eremita ainda acrescentou:
– Deus está além e está presente. Ele nos alimenta e nos
conforta. Conserva todas as coisas em movimento, do nascer do sol até o seu
ocaso. Porém, Ele subsiste independentemente da aparência de todas as coisas.
O homem
que se retira para a vida reclusa e não compreende essa verdade fundamental,
provavelmente está perdendo seu tempo, disse, encerrando o colóquio.
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