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domingo, 11 de fevereiro de 2018

O AMOR E A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE


Mudam-se as culturas, alteram-se as concepções dos homens a respeito dos mais variados assuntos, no entanto, a questão do amor continua sendo fundamental. De fato, não há como escapar da relevância do amor, afinal de contas, disso depende não somente a perpetuação da espécie humana: depende também a formação da personalidade. Para Sigmund Freud, o indivíduo cujo desenvolvimento psicológico atingiu a plenitude é aquele que se mostra capaz de amar e trabalhar. Muitos filósofos e teólogos entendem realmente que o ápice da existência dos homens reside na capacidade de amar, e o maior dos mandamentos de Deus na tradição judaico-cristã define-se assim: Amar a Deus sobre todas as coisas e aos outros como a si mesmo. Embora o amor seja uma experiência essencial, sua vivência pode ser alterada levando-se em consideração a maturidade do sujeito. Uma personalidade que tenha ultrapassado satisfatoriamente as fases normais do desenvolvimento psicológico, e que tenha adquirido, consequentemente, noções éticas e morais convincentes, além de ter transcendido os limites de sua rotina corriqueira e alcançado a esperança da vida eterna em uma realidade espiritual, certamente se encontrará preparado para gozar o amor de um modo muito mais profundo e abrangente. Porém, se o indivíduo sofreu alguma interrupção nesse processo, ocasionando problemas na constituição de sua personalidade, é bem possível que não experiencie o amor senão parcialmente ou de forma algo deturpada.

Para estabelecer uma relação amorosa bem-sucedida, imprescindível que se construa, por exemplo, uma autoimagem satisfatória. Quanto mais essa autoimagem estiver edificada sobre o princípio da realidade, melhor será a vivência do amor. Sempre que o indivíduo afirma-se a si mesmo em uma posição de inferioridade, a experiência do relacionamento afetivo fica comprometida por uma constante sensação de incapacidade. Há o temor de não estar à altura das expectativas, e uma exacerbação das qualidades do ente amado. Nessa circunstância, a relação se demonstra uma troca desigual, em que o indivíduo acredita achar-se aquém das qualidades necessárias ao envolvimento amoroso. Por outro lado, uma personalidade cuja autoimagem esteja deturpada pela valorização excessiva das próprias virtudes fatalmente terá dificuldades de oferecer no contato amoroso a contraparte adequada, pois ao se supor em uma posição de superioridade, utiliza o amor de forma egoísta. Pessoas dessa natureza buscam no outro não aquilo que este possui de amável e peculiar, mas sim a própria imagem narcisista nele refletida.

Realmente a plenitude do amor sucede através de uma dinâmica semelhante à via de mão dupla na qual aquele que ama procura no ser amado certa realidade distinta, sendo que a conexão com essa realidade se transforma em uma experiência de descoberta: é a descoberta do outro naquilo que este possui de particular. Trata-se de um processo complementar em que o amante se esforça no sentido de descortinar o segredo da outra pessoa no intuito de ali encontrar algo que lhe é faltante. Do mesmo modo, aquele que ama deve necessariamente desvelar seus mistérios interiores com o objetivo de se fazer compreendido, revelando-se nesse encontro amoroso. Portanto, existe uma contemplação mútua na qual a objetividade do ser carnal comunga-se com a subjetividade do sentimento em uma relação onde a linguagem é, às vezes, evidente e, outras vezes, cifrada. Há que se conviver com certos aspectos desconhecidos na personalidade do ente amado, na esperança de que o tempo e a proximidade ocupem-se da tarefa de tornar conhecido o que é obscuro. Quando o relacionamento estabelece laços firmes, o diálogo antes repleto de confusões e inconsistências, de palavras excessivas e discursos vazios eleva-se ao nível superior no qual o entendimento ocorre de maneira mais natural, às vezes até silenciosamente, porque as almas, então, compreendem-se quase imediatamente devido ao fato de que a convivência as colocou no mesmo patamar. Sem o risco do sentimento de inferioridade ou de superioridade, o ato de amar acerca-se da plenitude tão almejada.

Porém, o ideal do relacionamento amoroso, exatamente por ser de alta exigência, nem sempre é alcançado. Com frequência, as relações sucedem em um estágio muito aquém daquele aqui proposto, e ao acontecer assim se torna terreno propício a frustrações. Nessa circunstância, lamentar os relacionamentos malsucedidos não é o bastante, afinal, a questão não se resume simplesmente em fazer a escolha correta no momento de admitir a pessoa com quem se estabelece o intercurso amoroso: sobretudo, trata-se de alimentar em si mesmo a atitude adequada, sendo que tal se resume em estar disposto a estimular esse movimento de descoberta do outro, além do desvelamento de suas próprias verdades interiores. Para isso, o exercício de um processo analítico pode ser aconselhável, porque havendo sucesso na relação transferencial entre o paciente e o psicanalista, aquele deverá ser conduzido ao centro de si mesmo, e assim desconstruir as barreiras da personalidade que impossibilitam a fruição do amor. Talvez seja realmente ilusório acreditar que, em meio às vicissitudes da existência, convivendo com as incongruências da alma humana, alguém consiga entender a postura correta na relação sentimental. Por isso será salutar submeter-se aos cuidados de um psicanalista competente que, conduzindo o indivíduo pelo caminho do conhecimento de si mesmo, revele as deficiências de sua personalidade, e auxilie a corrigi-las.


Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).


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