Mudam-se as culturas, alteram-se as
concepções dos homens a respeito dos mais variados assuntos, no
entanto, a questão do amor continua sendo fundamental. De fato, não
há como escapar da relevância do amor, afinal de contas, disso
depende não somente a perpetuação da espécie humana: depende
também a formação da personalidade. Para Sigmund Freud, o
indivíduo cujo desenvolvimento psicológico atingiu a plenitude é
aquele que se mostra capaz de amar e trabalhar. Muitos filósofos e
teólogos entendem realmente que o ápice da existência dos homens
reside na capacidade de amar, e o maior dos mandamentos de Deus na
tradição judaico-cristã define-se assim: Amar a Deus sobre
todas as coisas e aos outros como a si mesmo.
Embora o amor seja uma experiência essencial, sua vivência pode ser
alterada levando-se em consideração a maturidade do sujeito. Uma
personalidade que tenha ultrapassado satisfatoriamente as fases
normais do desenvolvimento psicológico, e que tenha adquirido,
consequentemente, noções éticas e morais convincentes, além de
ter transcendido os limites de sua rotina corriqueira e alcançado a
esperança da vida eterna em uma realidade espiritual, certamente se
encontrará preparado para gozar o amor de um modo muito mais
profundo e abrangente. Porém,
se o indivíduo sofreu alguma interrupção nesse processo,
ocasionando problemas na constituição de sua personalidade, é bem
possível que não experiencie o amor senão parcialmente ou de forma
algo deturpada.
Para
estabelecer uma relação amorosa bem-sucedida, imprescindível que
se construa, por exemplo, uma autoimagem satisfatória. Quanto mais
essa autoimagem estiver edificada sobre o princípio da realidade,
melhor será a vivência do amor. Sempre que o indivíduo afirma-se a
si mesmo em uma posição de inferioridade, a experiência do
relacionamento afetivo fica comprometida por uma constante sensação
de incapacidade. Há o temor de não estar à altura das
expectativas, e uma exacerbação das qualidades do ente amado. Nessa
circunstância, a relação se demonstra uma troca desigual, em que o
indivíduo acredita achar-se aquém das qualidades necessárias ao
envolvimento amoroso. Por outro lado, uma personalidade cuja
autoimagem esteja deturpada pela valorização excessiva das próprias
virtudes fatalmente terá dificuldades de oferecer no contato amoroso
a contraparte adequada, pois
ao se supor em uma posição de superioridade, utiliza o amor de
forma egoísta. Pessoas dessa natureza buscam no outro não aquilo
que este possui de amável e peculiar, mas sim a própria imagem
narcisista nele
refletida.
Realmente
a plenitude do amor sucede através de uma dinâmica semelhante à
via de mão dupla na qual aquele que ama procura no ser amado certa
realidade distinta, sendo que a conexão com essa realidade se
transforma em uma experiência de descoberta: é a descoberta do
outro naquilo que este possui de particular. Trata-se de um processo
complementar em que o amante se
esforça no sentido de
descortinar o segredo da outra pessoa no intuito de ali encontrar
algo que lhe é faltante. Do mesmo modo, aquele que ama deve
necessariamente desvelar seus mistérios interiores com o objetivo de
se fazer compreendido, revelando-se nesse encontro amoroso. Portanto,
existe uma contemplação mútua na qual a objetividade do ser carnal
comunga-se com a subjetividade do sentimento em uma relação onde a
linguagem é, às vezes, evidente
e, outras vezes, cifrada. Há
que se conviver com certos aspectos desconhecidos na personalidade do
ente amado, na esperança de que o tempo e a proximidade ocupem-se da
tarefa de tornar conhecido o que é obscuro. Quando o relacionamento
estabelece laços firmes, o diálogo antes repleto de confusões e
inconsistências, de palavras excessivas e discursos vazios eleva-se
ao nível superior no qual o entendimento ocorre de maneira mais
natural, às vezes até silenciosamente, porque as almas, então,
compreendem-se quase imediatamente devido ao fato de que a
convivência as colocou no mesmo patamar. Sem o risco do sentimento
de inferioridade ou de superioridade, o ato de amar acerca-se da
plenitude tão almejada.
Porém,
o ideal do relacionamento amoroso, exatamente por ser de alta
exigência, nem sempre é alcançado. Com frequência, as relações
sucedem em um estágio muito aquém daquele aqui proposto, e ao
acontecer assim se torna terreno propício a frustrações. Nessa
circunstância, lamentar os relacionamentos malsucedidos não é o
bastante, afinal, a questão não se resume simplesmente em fazer a
escolha correta no momento de admitir a pessoa com quem se estabelece
o intercurso amoroso: sobretudo, trata-se de alimentar em si mesmo a
atitude adequada, sendo que tal se resume em estar disposto a
estimular esse movimento de descoberta do outro, além do
desvelamento de suas próprias verdades interiores. Para
isso, o exercício de um processo analítico pode ser aconselhável,
porque havendo sucesso na relação transferencial entre o paciente e
o psicanalista, aquele deverá ser conduzido ao centro de si mesmo, e
assim desconstruir as barreiras da personalidade que impossibilitam a
fruição do amor. Talvez seja realmente ilusório acreditar que, em
meio às vicissitudes da existência, convivendo com as
incongruências da alma humana, alguém consiga entender a postura
correta
na relação sentimental. Por isso será salutar submeter-se aos
cuidados de um psicanalista competente que, conduzindo o indivíduo
pelo caminho do conhecimento de si mesmo, revele as deficiências de
sua personalidade, e auxilie a corrigi-las.
Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).
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