Se
o poeta tiver a possibilidade de expandir os horizontes, não lhe
perdoaremos que se limite à estreiteza. Para que seu destino se
cumpra, é necessário viajar. Pôr os pés na estrada com ousadia,
desvendando os mistérios do caminho, descobrindo em cada porto o
amor e a solidão, em cada estadia os sabores variados da realidade,
e tudo fruindo, transformar posteriormente em discurso poético. Eis
o espírito que atravessa a obra Destino Palavra, do poeta goiano
Adalberto de Queiroz. Na peregrinação que permeia as páginas do
livro, Queiroz revisita os tempos de infância, evocando o
menino-poeta que, então, somente poderia ansiar as terras distantes
a que se arrojaria no futuro.
Eu sou esse menino no corpo
do velho d’agora.
Sou o que vi; novas terras
seriam anunciadas;
com o brilho do luar, terras
a conquistar.
Suas
asas ainda não se haviam aberto totalmente, as viagens se
encontravam insipientes, mas o fato é que o poeta estava realmente
destinado à liberdade de se aventurar, e suas aventuras não eram
apenas geográficas – embora estas fossem imprescindíveis –, mas
também literárias e espirituais.
Quando
a alma conhece a emoção de sair em descobrimento, e faz desse
exercício um método de se desvendar no caminho, mais profundamente
estabelece um diálogo com a obra poética de Adalberto de Queiroz.
Neste sentido, entre mim e ele se fortalece uma verdadeira afinidade.
Desde a juventude, também eu compreendi a relevância de expandir o
espírito colocando os pés na estrada. As paisagens que
vislumbramos, as comidas que provamos, as bebidas que consumimos, as
pessoas que conhecemos, as línguas que aprendemos e as literaturas
com as quais dialogamos, tudo, absolutamente tudo significa uma rota
de descoberta, e a descoberta evolui em variadas dimensões. Ser
nesse caminho exige ser inteiro. Exige carregar consigo toda a sua
história, todos os anseios, e desdobrar-se a si mesmo não somente
de maneira natural, mas também sobrenatural. Mesmo na poeira da
estrada, essa intenção é que transforma a atitude em coisa
elevada.
Ei-nos,
naves: o espaço e o corrosivo
da memória, na clave
fundante.
Passageiros que somos, ó
naves
imbicadas no jade; nosso
destino:
igualzinho ao de folhas no
cedro
ou do baobá – infinitas e
desejosas
se atracadas, de o espaço
singrar.
E
ainda:
Eis-me
em busca da alma:
à caça de tesouros
indecifráveis
de riquezas incontáveis.
Eis-me, aqui, como Cabral
catando versos
porém sem tanta decifração
e tato.
Queiroz
compreende que as navegações geográficas, as excursões físicas
através do mundo, representam um argumento importante para
justificar a navegação essencial e verdadeira: aquela que o
espírito realiza. Por isso o poeta avança a sua embarcação
poética rumo a continentes teológicos tradicionais. Sua expedição
aborda portos seguros nas obras espirituais de Santa Teresa de Ávila
e São João da Cruz. Ali Adalberto de Queiroz empreende a sua
exploração em busca do conhecimento de Deus presente em si mesmo e
na escuridão sensorial que a alma necessita ultrapassar a fim de
atingir a comunhão divina. E essa comunhão é o objetivo real, o
motivo dessa busca constante, de tudo aquilo que seus olhos
testemunharam, daquilo que seu intelecto fruiu artisticamente. O
menino da Vila Jaiara ainda mal pressentia a gravidade das navegações
futuras, mas o poeta amadurecido pelas experiências isto não
desconhece, e expõe o destino em seus versos.
Valei-me, João da
Cruz, que a noite em dia
se transforme por milagre: e
o sonho venha
por melhores águas nos
levar a um prado.
E ainda:
Teresa,
a castelhana d’Ávila
santificou sua vida; venceu
o mundo
contra o mundo, contra
todos.
O
termo do itinerário percorrido por Adalberto de Queiroz consiste
realmente nesse encontro sobrenatural com o Criador. Como já
evidenciado nesta análise, as viagens do poeta – tanto geográficas
quanto literárias – simbolizam o percurso existencial, do
nascimento à velhice, da ignorância infantil à sabedoria madura,
do pecado à redenção. Assim como estreamos neste mundo desnudos,
também desnudos nos apresentaremos diante de Deus. Trata-se de uma
nudez que extrapola o plano meramente corporal, atingindo uma
dimensão metafísica, e o poeta antecipa em seus discursos o
encontro com Deus no qual a criatura se desvestirá de todos os
conceitos limitados, de todas as suas fraquezas, defrontando-se com a
verdade em dimensão absoluta.
De
toda veste despido
com a roupa da alma se vê –
de toda máscara,
de toda persona
de toda leitura
de todo orgulho
rompido; destituído –
Despiram-no
banharam-no
para a passagem.
Diante
do cenário cultural brasileiro, onde campeia o discurso ideológico
e no qual a literatura limitou-se a abordagens mesquinhas, abolindo
qualquer referência às questões metafísicas mais relevantes, a
obra poética de Adalberto de Queiroz auxilia no esforço tão
necessário de reabrir o ofício da escrita às temáticas
universais. Há muitos motivos suficientemente convincentes para
degustar seus poemas, mas ainda que não fossem tantos motivos assim
– e são! – somente o aludido acima seria o bastante para o
leitor se lançar à descoberta da obra Destino Palavra.
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Mais uma vez, quero expressar minha gratidão a sua leitura generosa e atenta, Gabriel.
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