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sábado, 27 de janeiro de 2018
quinta-feira, 25 de janeiro de 2018
HERMANN HESSE E A PSICANÁLISE
Quando um ramo do conhecimento começa a exercer influência dominante tanto na sociedade quanto na cultura, surgem manifestações artísticas variadas expressando o espírito dessa contribuição intelectual. Geralmente, a literatura exerce uma posição de destaque, legando obras relevantes que auxiliam na compreensão daquilo que é proposto como conhecimento. No caso da psicanálise, é um fato que deitou influência no pensamento de inúmeros escritores, no que tange à elaboração de enredos com características analíticas ou na criação de personagens psicologicamente complexos, ou ainda na crítica do trabalho literário como expressão da personalidade do autor. Sigmund Freud realiza esse tipo de estudo peculiar em seus escritos, atendo-se especificamente a Fiódor Dostoievski e William Shakespeare, assim abrindo uma interessante vereda de investigação para psicanalistas e críticos literários. Seguindo essa perspectiva, ainda atualmente existe a possibilidade de estender atenção às obras e à biografia de outros literatos, a fim de compreender como a psicanálise ali se faz presente, interpretando aquele terreno humano particular.
Na metade do século vinte, sobretudo na Europa, a literatura estabeleceu laços firmes com a psicanálise na tentativa de explicar melhor a sociedade e a natureza humana. Uma obra de características poéticas e filosóficas como a do escritor germano Hermann Hesse não se furtou ao diálogo com o trabalho de Sigmund Freud em publicações ficcionais que lhe valeram o prêmio Nobel de literatura. Como um exímio perscrutador da alma, um cultor do autoconhecimento, e também um buscador da verdade, Hesse assimilou alguns elementos da psicanálise em seus enredos, como os impulsos instintivos do Id tentando exercer controle sobre a personalidade dos indivíduos, a investigação do inconsciente e a evocação das memórias infantis. A força das pulsões ou o poder do âmbito instintivo expressam-se em romances como O Lobo das Estepes e Demian. Com agudeza de análise, Hesse cria protagonistas que se encontram em uma região existencial de contraste entre os desejos obscuros e a luz da sabedoria, e trilham caminhos de autodescoberta através da vitória do elemento intelectual sobre os declives da personalidade humana.
Para compreender melhor as dimensões existentes na obra de Hermann Hesse, é necessário discernir em suas páginas algumas referências marcantes que se manifestam em várias narrativas. Dessas referências, uma das mais corriqueiras é o dualismo estabelecido entre a vida superior – existência espiritual ou hemisfério intelectual – e o ambiente inferior da vida mundana, frequentemente uma existência relacionada a crimes e a obtenção frugal de prazeres. No prólogo do romance Demian, o autor descreve o ser humano da seguinte forma: Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode. Todos levam consigo, até o fim, viscosidades e cascas de ovo de um mundo primitivo. Há os que não chegam jamais a ser homens, e continuam sendo rãs, esquilos ou formigas. Outros que são homens da cintura para cima e peixes da cintura para baixo. Mas, cada um deles é um impulso em direção ao ser. Como uma criatura cindida, o homem se vê colocado em uma circunstância de divisão, e tal divisão é proposta quando Emil Sinclair – o protagonista da trama – descobre-se no limiar de uma rotina delinquente, sendo salvo pela atuação influente de Demian. O encontro com o jovem notável representa a passagem da escuridão à luz, do terror paralisante para a bravura honrosa, da ignorância mais baixa ao cultivo da sabedoria. Também no conhecido romance O Jogo das Contas de Vidro, o dualismo se apresenta na distinção demonstrada entre uma vocação intelectual superior daqueles eruditos que se dedicavam à Castália e o resto da sociedade que vive imiscuída em questões de ordem prática e material.
Como surge, afinal, essa temática dualista no trabalho literário do escritor germânico?
As experiências iniciais do autor, aquelas relacionadas à infância e à juventude, certamente marcaram com profundidade seu imaginário. Hesse era filho de teólogos protestantes, e seu destino estava aparentemente vinculado às expectativas dos progenitores: como eles, deveria dedicar-se aos estudos teológicos, e encerrando-se formalmente em um seminário, de lá sairia como pastor de um rebanho cristão. Sua residência, o lar constituído pela família Hesse, era um ambiente no qual reinava a ordem e a piedade, e embora o jovem Hermann admirasse essa harmonia, seu desejo verdadeiro consistia em mergulhar no mundo, expandir horizontes, bebendo no cálice das satisfações mais seculares. Por isso, fugiu do seminário, imergindo em uma existência dedicada ao conhecimento, à literatura e às inúmeras expedições de caráter místico e espiritual. A dicotomia entre os ambientes do lar paterno – e do seminário também naturalmente – e a realidade do mundo determinou a percepção do escritor Hermann Hesse. Seus personagens encontram-se com muita frequência divididos entre dois hemisférios, e quando não exatamente assim, o autor costuma caracterizar tal dualismo em indivíduos de características bastante antagônicas, como é o caso de Narciso e Goldmund.
Que Hermann Hesse tenha interessado-se pela psicanálise é sugestivo porque demonstra não somente que seus interesses acercavam-se das questões freudianas, mas também que sua personalidade exigia uma análise de ordem psíquica. De fato, seu desenvolvimento sexual e intelectual como processo formativo e, concomitantemente, traumático delata-se em personagens como Demian e Harry Haller (O Lobo da Estepe), induzindo-nos a deduzir que para o autor alemão, a literatura não significava apenas uma forma artística de expressão; além disso, ela representava um dos elementos essenciais de sua autoanálise.
Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).
Na metade do século vinte, sobretudo na Europa, a literatura estabeleceu laços firmes com a psicanálise na tentativa de explicar melhor a sociedade e a natureza humana. Uma obra de características poéticas e filosóficas como a do escritor germano Hermann Hesse não se furtou ao diálogo com o trabalho de Sigmund Freud em publicações ficcionais que lhe valeram o prêmio Nobel de literatura. Como um exímio perscrutador da alma, um cultor do autoconhecimento, e também um buscador da verdade, Hesse assimilou alguns elementos da psicanálise em seus enredos, como os impulsos instintivos do Id tentando exercer controle sobre a personalidade dos indivíduos, a investigação do inconsciente e a evocação das memórias infantis. A força das pulsões ou o poder do âmbito instintivo expressam-se em romances como O Lobo das Estepes e Demian. Com agudeza de análise, Hesse cria protagonistas que se encontram em uma região existencial de contraste entre os desejos obscuros e a luz da sabedoria, e trilham caminhos de autodescoberta através da vitória do elemento intelectual sobre os declives da personalidade humana.
Para compreender melhor as dimensões existentes na obra de Hermann Hesse, é necessário discernir em suas páginas algumas referências marcantes que se manifestam em várias narrativas. Dessas referências, uma das mais corriqueiras é o dualismo estabelecido entre a vida superior – existência espiritual ou hemisfério intelectual – e o ambiente inferior da vida mundana, frequentemente uma existência relacionada a crimes e a obtenção frugal de prazeres. No prólogo do romance Demian, o autor descreve o ser humano da seguinte forma: Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode. Todos levam consigo, até o fim, viscosidades e cascas de ovo de um mundo primitivo. Há os que não chegam jamais a ser homens, e continuam sendo rãs, esquilos ou formigas. Outros que são homens da cintura para cima e peixes da cintura para baixo. Mas, cada um deles é um impulso em direção ao ser. Como uma criatura cindida, o homem se vê colocado em uma circunstância de divisão, e tal divisão é proposta quando Emil Sinclair – o protagonista da trama – descobre-se no limiar de uma rotina delinquente, sendo salvo pela atuação influente de Demian. O encontro com o jovem notável representa a passagem da escuridão à luz, do terror paralisante para a bravura honrosa, da ignorância mais baixa ao cultivo da sabedoria. Também no conhecido romance O Jogo das Contas de Vidro, o dualismo se apresenta na distinção demonstrada entre uma vocação intelectual superior daqueles eruditos que se dedicavam à Castália e o resto da sociedade que vive imiscuída em questões de ordem prática e material.
Como surge, afinal, essa temática dualista no trabalho literário do escritor germânico?
As experiências iniciais do autor, aquelas relacionadas à infância e à juventude, certamente marcaram com profundidade seu imaginário. Hesse era filho de teólogos protestantes, e seu destino estava aparentemente vinculado às expectativas dos progenitores: como eles, deveria dedicar-se aos estudos teológicos, e encerrando-se formalmente em um seminário, de lá sairia como pastor de um rebanho cristão. Sua residência, o lar constituído pela família Hesse, era um ambiente no qual reinava a ordem e a piedade, e embora o jovem Hermann admirasse essa harmonia, seu desejo verdadeiro consistia em mergulhar no mundo, expandir horizontes, bebendo no cálice das satisfações mais seculares. Por isso, fugiu do seminário, imergindo em uma existência dedicada ao conhecimento, à literatura e às inúmeras expedições de caráter místico e espiritual. A dicotomia entre os ambientes do lar paterno – e do seminário também naturalmente – e a realidade do mundo determinou a percepção do escritor Hermann Hesse. Seus personagens encontram-se com muita frequência divididos entre dois hemisférios, e quando não exatamente assim, o autor costuma caracterizar tal dualismo em indivíduos de características bastante antagônicas, como é o caso de Narciso e Goldmund.
Que Hermann Hesse tenha interessado-se pela psicanálise é sugestivo porque demonstra não somente que seus interesses acercavam-se das questões freudianas, mas também que sua personalidade exigia uma análise de ordem psíquica. De fato, seu desenvolvimento sexual e intelectual como processo formativo e, concomitantemente, traumático delata-se em personagens como Demian e Harry Haller (O Lobo da Estepe), induzindo-nos a deduzir que para o autor alemão, a literatura não significava apenas uma forma artística de expressão; além disso, ela representava um dos elementos essenciais de sua autoanálise.
Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).
sábado, 20 de janeiro de 2018
sábado, 13 de janeiro de 2018
domingo, 7 de janeiro de 2018
A POSIÇÃO AMBÍGUA DO SUPEREGO NA OBRA FREUDIANA
O
surgimento da psicanálise com Sigmund Freud encontra-se intimamente
vinculado à tentativa de oferecer uma abordagem terapêutica
diferente acerca dos problemas psicológicos dos pacientes. Os
métodos utilizados até aquele momento não levavam em consideração
a hipótese do inconsciente como depósito de impulsos reprimidos
que, passado certo tempo, gerava neuroses e outras enfermidades. Com
os estudos freudianos, o olhar observador do analista se deteve na
história do desenvolvimento do paciente, desde a sua infância até
a fase adulta, passando por marcantes fases na busca de satisfação
prazerosa: as fases oral (amamentação), anal (defecação) e fálica
(libido). Freud abandona métodos de tratamento puramente
fisiológicos, e começa a investigar a psique dos indivíduos
através de um processo caracterizado pelo diálogo, ou seja, através
da fala, o paciente é dirigido a realizar a abertura de seu
histórico psicológico. Desse modo, descobre como as figuras materna
e paterna influenciavam na estruturação da personalidade humana
através do famoso complexo de Édipo. Para o criador da psicanálise,
todas as principais tendências da natureza pessoal de cada paciente
determinam-se nos primeiros anos de existência, tornando-se
imprescindível escrutar as relações familiares mais essenciais a
fim de compreender e solucionar as questões psicológicas.
Mas
todo o desenvolvimento psicológico não ocorre sem que exista uma
situação constante de conflito. O ser humano encontra-se no centro
de uma espécie de batalha psicológica na qual o ego sofre a pressão
dos impulsos naturais (Id) e é concomitantemente reprimido pela ação
do superego. Quando se refere à força das pulsões, Freud aborda
diretamente o âmbito dos desejos, da busca incessante de satisfação
prazerosa, circunstância que é parte integrante de qualquer
personalidade humana, conquanto não esteja vinculada essencialmente
aos hemisférios da razão ou então do intelecto, e sim ao
hemisfério dos instintos. Instigar o ego à realização dos
desejos, dos apetites, nisto constitui a função do Id.
Originalmente, Sigmund Freud não defende que o ser humano tenha que
se entregar à fruição de todos os impulsos, no entanto, tenta
compreender como a repressão a essas pulsões naturais pode causar
neuroses. Em seu famoso trabalho O Mal-estar na Civilização, o pai
da psicanálise afirma que a sociedade humana depende da repressão
aos instintos fundamentais para estabelecer-se e ter continuidade
histórica. Se o impulso ao incesto não for reprimido, por exemplo,
a estrutura familiar ficará comprometida, e isso abalaria os pilares
da civilização. Portanto, ainda que a repressão cause neuroses ou
mal-estar, como ele mesmo descreve, se tal não ocorresse
dificilmente as sociedades humanas existiriam.
Isso
coloca a questão do superego em uma posição ambígua. De certo
modo, Sigmund Freud julga que esse elemento restringe a liberdade dos
desejos, limita as pulsões, ocasionando nos indivíduos um
desconforto que nem sempre é resolvido em âmbito psicológico.
Porém, sem o superego, supõe-se que os seres humanos estariam
entregues a toda sorte de animalidade, submetidos aos instintos mais
fundamentais da natureza, à agressividade desenfreada, por exemplo,
o que dificultaria, consequentemente, a convivência social. Então
como compreender o superego? A psicanálise freudiana não sugere que
o superego deva ser abolido, aliás, nem sequer acredita nessa tal
possibilidade. Trata-se de um elemento constituinte da psicologia
humana, e em vez de extingui-lo, urge entendê-lo no intuito de
evitar exageros constrangedores em sua atuação. Sem dúvida, inibir
as pulsões, ainda que psicologicamente conflitante, favorece o
desenvolvimento civilizacional e, muito frequentemente, exerce
determinada proteção sobre as pessoas. Se os instintos elementares
se encontrassem livres de entraves, dificilmente os pacientes seriam
realmente capazes de reconhecer os limites do ambiente e também da
liberdade dos outros. Constrangido pela ação do superego, o ego
evita entregar-se a uma rotina desregrada. De fato, subsiste nessa
relação uma tônica legisladora e moralizante que, dentro de
fronteiras razoáveis, mostra-se até mesmo salutar. O trabalho de
Sigmund Freud busca, entretanto, descobrir um modo de controlar a
tendência tirânica do superego a fim de descobrir soluções
terapêuticas para os males psicológicos que acontecem devido à sua
influência exagerada.
Provavelmente,
antes de estimular a supressão absoluta do superego ou a liberação
total das pulsões, interessa buscar o equilíbrio entre essas duas
forças atuantes na estrutura psicológica. Se o ego terá
necessariamente que subsistir no centro dessa realidade conflitante,
cabe descobrir o modo de conviver com impulsos e censuras, jamais se
deixando subjugar. De certa forma, a psicanálise carrega a missão
não de suprimir elementos constituintes da psicologia humana, mas
antes de estabelecer o equilíbrio, a sanidade mental dos pacientes.
Quando o psicanalista aborda os dilemas relativos ao estado
psicológico dos indivíduos com esse objetivo, caminha rumo à cura
das doenças. Sempre é bom recordar que o consultório não deve ser
encarado como o campo de batalha onde se travam lutas teóricas ou
conceituais. O fim da psicanálise não é comprovar esta ou aquela
teoria: trata-se, no fundo, de oferecer ao paciente um processo
terapêutico suficientemente capaz de aliviar seus sofrimentos. Nesse
sentido, conduzi-lo ao equilíbrio é entregar um bem precioso que
está acima das disputas intelectuais.
Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).
sábado, 6 de janeiro de 2018
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