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quarta-feira, 19 de abril de 2017

AS DIMENSÕES DA VIAGEM EM ADALBERTO DE QUEIROZ



Se o poeta tiver a possibilidade de expandir os horizontes, não lhe perdoaremos que se limite à estreiteza. Para que seu destino se cumpra, é necessário viajar. Pôr os pés na estrada com ousadia, desvendando os mistérios do caminho, descobrindo em cada porto o amor e a solidão, em cada estadia os sabores variados da realidade, e tudo fruindo, transformar posteriormente em discurso poético. Eis o espírito que atravessa a obra Destino Palavra, do poeta goiano Adalberto de Queiroz. Na peregrinação que permeia as páginas do livro, Queiroz revisita os tempos de infância, evocando o menino-poeta que, então, somente poderia ansiar as terras distantes a que se arrojaria no futuro.

Eu sou esse menino no corpo do velho d’agora.
Sou o que vi; novas terras seriam anunciadas;
com o brilho do luar, terras a conquistar.

Suas asas ainda não se haviam aberto totalmente, as viagens se encontravam insipientes, mas o fato é que o poeta estava realmente destinado à liberdade de se aventurar, e suas aventuras não eram apenas geográficas – embora estas fossem imprescindíveis –, mas também literárias e espirituais.

Quando a alma conhece a emoção de sair em descobrimento, e faz desse exercício um método de se desvendar no caminho, mais profundamente estabelece um diálogo com a obra poética de Adalberto de Queiroz. Neste sentido, entre mim e ele se fortalece uma verdadeira afinidade. Desde a juventude, também eu compreendi a relevância de expandir o espírito colocando os pés na estrada. As paisagens que vislumbramos, as comidas que provamos, as bebidas que consumimos, as pessoas que conhecemos, as línguas que aprendemos e as literaturas com as quais dialogamos, tudo, absolutamente tudo significa uma rota de descoberta, e a descoberta evolui em variadas dimensões. Ser nesse caminho exige ser inteiro. Exige carregar consigo toda a sua história, todos os anseios, e desdobrar-se a si mesmo não somente de maneira natural, mas também sobrenatural. Mesmo na poeira da estrada, essa intenção é que transforma a atitude em coisa elevada.

Ei-nos, naves: o espaço e o corrosivo
da memória, na clave fundante.
Passageiros que somos, ó naves
imbicadas no jade; nosso destino:
igualzinho ao de folhas no cedro
ou do baobá – infinitas e desejosas
se atracadas, de o espaço singrar.

E ainda:

Eis-me em busca da alma:
à caça de tesouros indecifráveis
de riquezas incontáveis.
Eis-me, aqui, como Cabral catando versos
porém sem tanta decifração e tato.

Queiroz compreende que as navegações geográficas, as excursões físicas através do mundo, representam um argumento importante para justificar a navegação essencial e verdadeira: aquela que o espírito realiza. Por isso o poeta avança a sua embarcação poética rumo a continentes teológicos tradicionais. Sua expedição aborda portos seguros nas obras espirituais de Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz. Ali Adalberto de Queiroz empreende a sua exploração em busca do conhecimento de Deus presente em si mesmo e na escuridão sensorial que a alma necessita ultrapassar a fim de atingir a comunhão divina. E essa comunhão é o objetivo real, o motivo dessa busca constante, de tudo aquilo que seus olhos testemunharam, daquilo que seu intelecto fruiu artisticamente. O menino da Vila Jaiara ainda mal pressentia a gravidade das navegações futuras, mas o poeta amadurecido pelas experiências isto não desconhece, e expõe o destino em seus versos.

Valei-me, João da Cruz, que a noite em dia
se transforme por milagre: e o sonho venha
por melhores águas nos levar a um prado.

E ainda:

Teresa, a castelhana d’Ávila
santificou sua vida; venceu o mundo
contra o mundo, contra todos.

O termo do itinerário percorrido por Adalberto de Queiroz consiste realmente nesse encontro sobrenatural com o Criador. Como já evidenciado nesta análise, as viagens do poeta – tanto geográficas quanto literárias – simbolizam o percurso existencial, do nascimento à velhice, da ignorância infantil à sabedoria madura, do pecado à redenção. Assim como estreamos neste mundo desnudos, também desnudos nos apresentaremos diante de Deus. Trata-se de uma nudez que extrapola o plano meramente corporal, atingindo uma dimensão metafísica, e o poeta antecipa em seus discursos o encontro com Deus no qual a criatura se desvestirá de todos os conceitos limitados, de todas as suas fraquezas, defrontando-se com a verdade em dimensão absoluta.

De toda veste despido
com a roupa da alma se vê –
de toda máscara,
de toda persona
de toda leitura

de todo orgulho
rompido; destituído –
Despiram-no
banharam-no
para a passagem.


Diante do cenário cultural brasileiro, onde campeia o discurso ideológico e no qual a literatura limitou-se a abordagens mesquinhas, abolindo qualquer referência às questões metafísicas mais relevantes, a obra poética de Adalberto de Queiroz auxilia no esforço tão necessário de reabrir o ofício da escrita às temáticas universais. Há muitos motivos suficientemente convincentes para degustar seus poemas, mas ainda que não fossem tantos motivos assim – e são! – somente o aludido acima seria o bastante para o leitor se lançar à descoberta da obra Destino Palavra.
 

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Um comentário:

  1. Mais uma vez, quero expressar minha gratidão a sua leitura generosa e atenta, Gabriel.

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