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domingo, 27 de maio de 2018
sexta-feira, 25 de maio de 2018
SEI QUE ALGURES...
Sei
que algures, neste próprio momento, está uma mulher à minha espera e que se
proceder muito calmamente, muito suavemente, muito lentamente, chegarei junto
dela. Estará talvez à espera numa esquina e, quando eu aparecer,
reconhecer-me-á. Reconhecer-me-á imediatamente. Acredito nisso, assim Deus me
ajude como acredito! Acredito que tudo é justo e foi tudo determinado. A minha
casa? Ora, é o mundo, o mundo inteiro! Estou em casa em toda a parte; agora
sei-o, mas não o sabia.
Henry
Miller, Trópico de Capricórnio.
segunda-feira, 21 de maio de 2018
sexta-feira, 18 de maio de 2018
O SHEMÁ DA PSICANÁLISE
Tendo a psicanálise surgido como resultado das investigações médicas de
um neurologista judeu, eu não estaria enganado se evocasse certo aspecto
concernente à história religiosa dos israelitas no intuito de tentar entender a
contribuição de seu criador. Mesmo que Sigmund Freud fosse ateu por convicção,
ainda assim devemos admitir que determinadas características da tradição de um
indivíduo não desaparecem tão facilmente, sobretudo quando nos referimos a uma
tradição marcante como a judaica. Isso talvez até ele próprio fosse capaz de
concordar, considerando o fato de que escreveu uma análise importante sobre
Moisés, e a si mesmo muitas vezes se identificou com esse personagem bíblico. Mas
a que vem essa observação? Trata-se de compreender a existência de
características religiosas no processo da psicanálise, características essas
que foram provavelmente secularizadas pelo labor científico de Freud, e que, no
entanto, podem ser identificadas pela investigação atenta de um bom estudioso.
Provavelmente, não chegaremos a discernir isso se nos cegarmos por qualquer
visão ideológica acerca da psicanálise. Não se tenciona aqui batizar o trabalho
intelectual de Freud nas águas sacras da argumentação espiritual, porém sim
descobrir as origens mais remotas de aspectos marcantes no processo analítico.
Um
desses aspectos consiste na questão da fala ou, melhor dizendo, da cura através
da fala. Com o expediente da livre associação, o analisando manifesta-se
verbalmente, dando assim a oportunidade ao psicanalista de identificar em seu
discurso elementos do inconsciente que se revelam espontaneamente. O que se
encontra oculto, ou seja, aquilo que em muitas ocasiões é a origem de
transtornos psicológicos, acaba sendo trazido à superfície, dessa maneira
oferecendo ao analista a chance de interpretar a personalidade do sujeito.
Trata-se de um processo criado por Freud depois de ter buscado acessar as
verdades enterradas no inconsciente por meio da hipnoterapia, por exemplo, e de
outros métodos que não se mostraram tão eficazes. Na posição de ouvinte, o
psicanalista atenta-se aos vestígios da realidade obscura que se camufla sob as
palavras, na tentativa de decifrar de modo competente as estruturas psíquicas
daquele que ali está submetido à análise. Portanto, estabelece-se uma relação
em que duas posições distintas se completam: aquela do indivíduo que fala
utilizando-se com isso da livre associação e a outra do psicanalista que escuta
fazendo uso dos instrumentos técnicos que possui.
Pode-se
relacionar isso com algo da tradição judaica? De uma forma bastante liberal,
evoco a conhecida sentença hebraica Shemá
Israel, cuja tradução é Ouve, Israel.
O ato de ouvir é algo essencial dentro da cultura dos judeus, em princípio no
que tange a ouvir as palavras divinas – neste caso, o indivíduo se coloca na
posição de escutar passivamente tudo aquilo que Deus lhe diz –, e em segunda
instância na transmissão dos ensinamentos que acontece através da oralidade, ou
seja, é falando que um judeu transfere ao outro a verdade de sua religião. Usei
o termo verdade, e ele se aplica aqui muitíssimo bem, porque para o judaísmo o
Senhor representa justamente a verdade, não uma verdade entre muitas, mas sim a
verdade única, oriunda de um Deus único. Quando observamos o shema no âmbito da psicanálise,
entendemos que o ato de falar, próprio do analisando, transmite também a
verdade de seu interior. Essa analogia talvez pareça contraditória se
considerarmos que muito frequentemente na história da psicanálise parece ter
havido certa indisposição entre suas principais teorias e os ensinamentos das
religiões instituídas, no entanto, nem sempre é assim tão necessário colocar
psicanálise e religião em conflito. De fato, nas conferências realizadas na
Universidade católica de Bruxelas, Jacques Lacan afirma: “... se a psicanálise
não triunfar sobre a religião, é porque a religião é inquebrantável. A
psicanálise não triunfará: sobreviverá ou não.” E ainda: “Não triunfará apenas
sobre a psicanálise, triunfará sobre muitas outras coisas. É inclusive
impossível imaginar quão poderosa é a religião.”
Pois bem, a escuta psicanalítica insere-se nessa dinâmica que conserva
laços ancestrais com o judaísmo. Dentro de cada ser humano existe uma situação
psíquica que solicita certa via de expressão, e a psicanálise oferece
exatamente essa oportunidade, colocando o analista na posição de quem se atenta
a tudo o que é falado, com o objetivo de conduzir o analisando à descoberta de
si mesmo e, também, ao alívio de seus sofrimentos. Eis que a tradição vetusta
do shemá se manifesta, não em uma
circunstância essencialmente espiritual, contudo, mantendo ainda elementos
relevantes de consistência. É o verdadeiro que se revela, é algo que se transmite
de um indivíduo ao outro, sigilosamente, de fato, como se ali existisse um
segredo precioso, algo que necessita ser tratado com o devido respeito. Sem
dúvida, cabe ao psicanalista tratar esse processo com imenso desvelo, entendendo
sempre que tudo aquilo que é dito representa a intimidade de alguém, não
raramente uma intimidade dolorosa que só se manifesta no desenrolar da terapia,
de forma muito paciente.
O
falar é o modus operandi dentro da
psicanálise, o caminho rumo ao inconsciente, e a escuta é parte importante da
elaboração intelectual do psicanalista.
Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).
domingo, 13 de maio de 2018
domingo, 6 de maio de 2018
sexta-feira, 4 de maio de 2018
O QUE CONDUZ O INDIVÍDUO AO PROCESSO PSICANALÍTICO?
O que conduz o indivíduo ao processo psicanalítico?
Certamente uma demanda. E a demanda
corresponde aos fatos problemáticos que ocasionam transtornos psicológicos,
assim sugerindo a necessidade do tratamento. Ou seja, o cliente busca aliviar o
sofrimento, e o processo analítico oferece a ocasião conveniente. Mas a boa
intenção daquele que procura um psicanalista é somente o passo inicial de um
caminho que geralmente solicita tempo, e também um comprometimento que quase
corresponde a um acordo formalizado com o profissional escolhido. Isso porque o
tratamento sucede em etapas que se desenvolvem na medida em que o analisado
expressa-se através da livre associação, ofertando ao analista o conhecimento
dos problemas essenciais trazidos ao consultório. Trata-se, outrossim, de uma
expedição à infância do indivíduo com o intuito de ali desvendar as origens da
demanda, além de uma interpretação dos elementos oníricos que podem fornecer
vestígios para o entendimento da personalidade daquele que se submete ao
processo.
Nesse processo, é comum surgirem resistências.
Quando o analista aproxima-se do conteúdo inconsciente, tentando assim
desvendar o que se encontra escondido, o cliente ergue suas barreiras no
intuito de proteger-se da realidade. Trata-se de uma atitude espontânea que
sucede, frequentemente, sem que o indivíduo se dê conta, um mecanismo de defesa
acionado no automático. O motivo dessa resistência se encontra no fato de que
todos nós criamos estruturas psicológicas que sustentam nossa personalidade –
por exemplo, a autoimagem –, estruturas estas que não raro são constituídas na
base de elementos insatisfatórios como traumas, desejos reprimidos,
falsificações da realidade, etc., ou seja, tudo aquilo que tende a ser
desmascarado durante o processo psicanalítico. A resistência nasce do medo
devido à mudança. Mudar significa desconstruir as estruturas equivocadas,
reconstruindo-se a partir de novas bases fornecidas pelas sessões de análise,
sempre com a participação ativa do psicanalista. Ser um guia confiável nessa
passagem muitas vezes dolorosa é a missão daquele que está analisando o
cliente.
Para que as etapas da análise
desenvolvam-se satisfatoriamente, o psicanalista deve quebrar essas
resistências de forma paciente. Sem dúvida, carece estabelecer com o cliente
uma relação de confiança e cumplicidade, mostrando-lhe que o processo será mais
bem-sucedido na medida em que as verdades enterradas no inconsciente vierem à
tona. Isso exige tempo, e é importante que analista e analisado sejam fieis ao
compromisso. Se as coisas sucederem conforme o programado, aquilo que se
encontra reprimido – a causa da demanda –, será revelado, e o desenrolar do
tratamento se dará sem dificuldades. Mas é imprescindível sempre um ato de
coragem da parte do analisado, afinal de contas, o que se esconde é, na maior
parte das vezes, aquilo que produz incômodo; em contrapartida, é preciso que o
psicanalista se comporte como uma espécie de arqueólogo da psique,
desenterrando as lembranças soterradas, os traumas do passado, os temores, as
inseguranças, etc. Com essa dinâmica sucedendo, um e outro justificarão seu
papel no processo psicanalítico.
Os bons resultados oriundos disso
favorecerão ao indivíduo desempenhar melhor seu papel na sociedade. Aliás,
devemos sempre levar isso em consideração: embora a psicanálise cuide da
psique, seus reais objetivos não são tão íntimos assim. Quero dizer que não se
trata somente de vasculhar o inconsciente com o intuito de solucionar as
questões psicológicas, trata-se, sobretudo, de conduzir o sujeito a uma
situação de felicidade, de auxiliá-lo no exercício de suas atividades, fazendo
com que o mal-estar muitas vezes vivenciado na existência humana diminua ou até
mesmo desapareça. Se a psicanálise é um método de autoconhecimento – e disso
não duvido –, deve-se admitir que de nada serviria um conhecimento de si que
não trouxesse mudanças. Quanto a isso, é importante que o analista se mantenha
atento para que o cliente não se limite única e exclusivamente ao processo
analítico no interior do consultório, que não se mantenha estagnado, ou até
mesmo que não se acomode, supondo que o processo por si só conseguirá efetuar
as transformações necessárias. Caso não aconteçam modificações palpáveis nas
atitudes, a terapia tenderá a ser longa e dispendiosa, sem resultados práticos
convincentes.
Sigmund Freud criou a psicanálise na
intenção de aliviar o sofrimento de seus pacientes neuróticos, e conquanto essa
ciência tenha desenvolvido inúmeras teorias interessantes, urge constantemente
recordar seu caráter objetivo. Sem isso, ela correria o risco de virar somente
um território de elucubrações, uma espécie de filosofia sem consistência real
em que conceitos como id, ego e superego flutuariam nas discussões sem qualquer
validade provável. Se assim fosse, de fato, a psicanálise em nada contribuiria
para o tratamento das neuroses, e não estaria apta a abolir o sofrimento
humano. Portanto, cabe ao analista conservar isso bem firme em seu pensamento:
os pacientes não se prestam meramente à aplicação de teorias. Nossa missão
corresponde, na verdade, em curar doenças na medida das possibilidade,
oferecendo a quem nos procura ajuda necessária a fim de que possa ser mais
feliz em uma existência saudável.
Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).
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