O que conduz o indivíduo ao processo psicanalítico?
Certamente uma demanda. E a demanda
corresponde aos fatos problemáticos que ocasionam transtornos psicológicos,
assim sugerindo a necessidade do tratamento. Ou seja, o cliente busca aliviar o
sofrimento, e o processo analítico oferece a ocasião conveniente. Mas a boa
intenção daquele que procura um psicanalista é somente o passo inicial de um
caminho que geralmente solicita tempo, e também um comprometimento que quase
corresponde a um acordo formalizado com o profissional escolhido. Isso porque o
tratamento sucede em etapas que se desenvolvem na medida em que o analisado
expressa-se através da livre associação, ofertando ao analista o conhecimento
dos problemas essenciais trazidos ao consultório. Trata-se, outrossim, de uma
expedição à infância do indivíduo com o intuito de ali desvendar as origens da
demanda, além de uma interpretação dos elementos oníricos que podem fornecer
vestígios para o entendimento da personalidade daquele que se submete ao
processo.
Nesse processo, é comum surgirem resistências.
Quando o analista aproxima-se do conteúdo inconsciente, tentando assim
desvendar o que se encontra escondido, o cliente ergue suas barreiras no
intuito de proteger-se da realidade. Trata-se de uma atitude espontânea que
sucede, frequentemente, sem que o indivíduo se dê conta, um mecanismo de defesa
acionado no automático. O motivo dessa resistência se encontra no fato de que
todos nós criamos estruturas psicológicas que sustentam nossa personalidade –
por exemplo, a autoimagem –, estruturas estas que não raro são constituídas na
base de elementos insatisfatórios como traumas, desejos reprimidos,
falsificações da realidade, etc., ou seja, tudo aquilo que tende a ser
desmascarado durante o processo psicanalítico. A resistência nasce do medo
devido à mudança. Mudar significa desconstruir as estruturas equivocadas,
reconstruindo-se a partir de novas bases fornecidas pelas sessões de análise,
sempre com a participação ativa do psicanalista. Ser um guia confiável nessa
passagem muitas vezes dolorosa é a missão daquele que está analisando o
cliente.
Para que as etapas da análise
desenvolvam-se satisfatoriamente, o psicanalista deve quebrar essas
resistências de forma paciente. Sem dúvida, carece estabelecer com o cliente
uma relação de confiança e cumplicidade, mostrando-lhe que o processo será mais
bem-sucedido na medida em que as verdades enterradas no inconsciente vierem à
tona. Isso exige tempo, e é importante que analista e analisado sejam fieis ao
compromisso. Se as coisas sucederem conforme o programado, aquilo que se
encontra reprimido – a causa da demanda –, será revelado, e o desenrolar do
tratamento se dará sem dificuldades. Mas é imprescindível sempre um ato de
coragem da parte do analisado, afinal de contas, o que se esconde é, na maior
parte das vezes, aquilo que produz incômodo; em contrapartida, é preciso que o
psicanalista se comporte como uma espécie de arqueólogo da psique,
desenterrando as lembranças soterradas, os traumas do passado, os temores, as
inseguranças, etc. Com essa dinâmica sucedendo, um e outro justificarão seu
papel no processo psicanalítico.
Os bons resultados oriundos disso
favorecerão ao indivíduo desempenhar melhor seu papel na sociedade. Aliás,
devemos sempre levar isso em consideração: embora a psicanálise cuide da
psique, seus reais objetivos não são tão íntimos assim. Quero dizer que não se
trata somente de vasculhar o inconsciente com o intuito de solucionar as
questões psicológicas, trata-se, sobretudo, de conduzir o sujeito a uma
situação de felicidade, de auxiliá-lo no exercício de suas atividades, fazendo
com que o mal-estar muitas vezes vivenciado na existência humana diminua ou até
mesmo desapareça. Se a psicanálise é um método de autoconhecimento – e disso
não duvido –, deve-se admitir que de nada serviria um conhecimento de si que
não trouxesse mudanças. Quanto a isso, é importante que o analista se mantenha
atento para que o cliente não se limite única e exclusivamente ao processo
analítico no interior do consultório, que não se mantenha estagnado, ou até
mesmo que não se acomode, supondo que o processo por si só conseguirá efetuar
as transformações necessárias. Caso não aconteçam modificações palpáveis nas
atitudes, a terapia tenderá a ser longa e dispendiosa, sem resultados práticos
convincentes.
Sigmund Freud criou a psicanálise na
intenção de aliviar o sofrimento de seus pacientes neuróticos, e conquanto essa
ciência tenha desenvolvido inúmeras teorias interessantes, urge constantemente
recordar seu caráter objetivo. Sem isso, ela correria o risco de virar somente
um território de elucubrações, uma espécie de filosofia sem consistência real
em que conceitos como id, ego e superego flutuariam nas discussões sem qualquer
validade provável. Se assim fosse, de fato, a psicanálise em nada contribuiria
para o tratamento das neuroses, e não estaria apta a abolir o sofrimento
humano. Portanto, cabe ao analista conservar isso bem firme em seu pensamento:
os pacientes não se prestam meramente à aplicação de teorias. Nossa missão
corresponde, na verdade, em curar doenças na medida das possibilidade,
oferecendo a quem nos procura ajuda necessária a fim de que possa ser mais
feliz em uma existência saudável.
Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).
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