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sexta-feira, 4 de maio de 2018

O QUE CONDUZ O INDIVÍDUO AO PROCESSO PSICANALÍTICO?



O que conduz o indivíduo ao processo psicanalítico?

Certamente uma demanda. E a demanda corresponde aos fatos problemáticos que ocasionam transtornos psicológicos, assim sugerindo a necessidade do tratamento. Ou seja, o cliente busca aliviar o sofrimento, e o processo analítico oferece a ocasião conveniente. Mas a boa intenção daquele que procura um psicanalista é somente o passo inicial de um caminho que geralmente solicita tempo, e também um comprometimento que quase corresponde a um acordo formalizado com o profissional escolhido. Isso porque o tratamento sucede em etapas que se desenvolvem na medida em que o analisado expressa-se através da livre associação, ofertando ao analista o conhecimento dos problemas essenciais trazidos ao consultório. Trata-se, outrossim, de uma expedição à infância do indivíduo com o intuito de ali desvendar as origens da demanda, além de uma interpretação dos elementos oníricos que podem fornecer vestígios para o entendimento da personalidade daquele que se submete ao processo.

Nesse processo, é comum surgirem resistências. Quando o analista aproxima-se do conteúdo inconsciente, tentando assim desvendar o que se encontra escondido, o cliente ergue suas barreiras no intuito de proteger-se da realidade. Trata-se de uma atitude espontânea que sucede, frequentemente, sem que o indivíduo se dê conta, um mecanismo de defesa acionado no automático. O motivo dessa resistência se encontra no fato de que todos nós criamos estruturas psicológicas que sustentam nossa personalidade – por exemplo, a autoimagem –, estruturas estas que não raro são constituídas na base de elementos insatisfatórios como traumas, desejos reprimidos, falsificações da realidade, etc., ou seja, tudo aquilo que tende a ser desmascarado durante o processo psicanalítico. A resistência nasce do medo devido à mudança. Mudar significa desconstruir as estruturas equivocadas, reconstruindo-se a partir de novas bases fornecidas pelas sessões de análise, sempre com a participação ativa do psicanalista. Ser um guia confiável nessa passagem muitas vezes dolorosa é a missão daquele que está analisando o cliente.

Para que as etapas da análise desenvolvam-se satisfatoriamente, o psicanalista deve quebrar essas resistências de forma paciente. Sem dúvida, carece estabelecer com o cliente uma relação de confiança e cumplicidade, mostrando-lhe que o processo será mais bem-sucedido na medida em que as verdades enterradas no inconsciente vierem à tona. Isso exige tempo, e é importante que analista e analisado sejam fieis ao compromisso. Se as coisas sucederem conforme o programado, aquilo que se encontra reprimido – a causa da demanda –, será revelado, e o desenrolar do tratamento se dará sem dificuldades. Mas é imprescindível sempre um ato de coragem da parte do analisado, afinal de contas, o que se esconde é, na maior parte das vezes, aquilo que produz incômodo; em contrapartida, é preciso que o psicanalista se comporte como uma espécie de arqueólogo da psique, desenterrando as lembranças soterradas, os traumas do passado, os temores, as inseguranças, etc. Com essa dinâmica sucedendo, um e outro justificarão seu papel no processo psicanalítico.

Os bons resultados oriundos disso favorecerão ao indivíduo desempenhar melhor seu papel na sociedade. Aliás, devemos sempre levar isso em consideração: embora a psicanálise cuide da psique, seus reais objetivos não são tão íntimos assim. Quero dizer que não se trata somente de vasculhar o inconsciente com o intuito de solucionar as questões psicológicas, trata-se, sobretudo, de conduzir o sujeito a uma situação de felicidade, de auxiliá-lo no exercício de suas atividades, fazendo com que o mal-estar muitas vezes vivenciado na existência humana diminua ou até mesmo desapareça. Se a psicanálise é um método de autoconhecimento – e disso não duvido –, deve-se admitir que de nada serviria um conhecimento de si que não trouxesse mudanças. Quanto a isso, é importante que o analista se mantenha atento para que o cliente não se limite única e exclusivamente ao processo analítico no interior do consultório, que não se mantenha estagnado, ou até mesmo que não se acomode, supondo que o processo por si só conseguirá efetuar as transformações necessárias. Caso não aconteçam modificações palpáveis nas atitudes, a terapia tenderá a ser longa e dispendiosa, sem resultados práticos convincentes.

Sigmund Freud criou a psicanálise na intenção de aliviar o sofrimento de seus pacientes neuróticos, e conquanto essa ciência tenha desenvolvido inúmeras teorias interessantes, urge constantemente recordar seu caráter objetivo. Sem isso, ela correria o risco de virar somente um território de elucubrações, uma espécie de filosofia sem consistência real em que conceitos como id, ego e superego flutuariam nas discussões sem qualquer validade provável. Se assim fosse, de fato, a psicanálise em nada contribuiria para o tratamento das neuroses, e não estaria apta a abolir o sofrimento humano. Portanto, cabe ao analista conservar isso bem firme em seu pensamento: os pacientes não se prestam meramente à aplicação de teorias. Nossa missão corresponde, na verdade, em curar doenças na medida das possibilidade, oferecendo a quem nos procura ajuda necessária a fim de que possa ser mais feliz em uma existência saudável. 


Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).


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