Se acaso te dedicas a ser
na roda incessante do tempo a mesma rocha, o mesmo carvalho de raízes fincadas, o templo onde ofertas os teus sacrifícios, e a tudo testemunha – o riso, a desgraça, o recomeço – alheio ao êxtase e ao desespero, então talvez te suceda o fruir natural da sabedoria. Por sendas caminhaste e trazes ainda contigo relíquias tão escassas – é fato! – de terras onde osculaste o chão: o sol dourando corpos ao entardecer, os aromas do solo orvalhado e a ternura nos braços da mulher amada. Cala-te acerca do sofrimento. Os anos ocuparam-se de transmutar as dores, as sombras, e dentro de ti a serenidade testemunha o fim da escuridão. Goza silenciosamente o mistério de entender o ritmo das coisas – eis as crianças e as gramíneas, eis as árvores de troncos firmes e rugosos, eis a brincadeira diária em torno delas, o brado solto, o cansaço, o deitar-se à sombra vadiando as horas no fluxo constante do tempo e das mutações. O trem não fumega até a estação, as casas desolam-se melancolicamente, o mato espreme-se entre as pedras do calçamento, mas o rio corre inalterado, desce a serra rumo ao desconhecido, e assim tu também és o mesmo, és aquilo que se conserva, és a realidade, o fragmento, o pulsar constante da existência, o testemunho, o saber silencioso das coisas. Pendurem as flâmulas nas hastes e acendam os lampiões das festas se for tempo de celebração. Passem adiante com o ataúde e tu ofertarás o respeito cordial e seguirás também o cortejo fúnebre – a morte é um fato absoluto. Mas antes, antes do desfecho e do dia declinante, estás convicto do ruído da chuva no telhado, do fastio à hora tardia e dessa sensação de existir claramente como o sabor dos frutos e a consistência dos campos.
Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).
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domingo, 30 de julho de 2017
O SABER SILENCIOSO DAS COISAS
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