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domingo, 29 de abril de 2018
ENSAIOS
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domingo, 22 de abril de 2018
quarta-feira, 18 de abril de 2018
OS SONHOS E SUAS CARACTERÍSTICAS
Hoje
a interpretação dos sonhos encontra-se tão arraigada na cultura contemporânea
como um elemento pertencente ao desenvolvimento da psicanálise que seria mesmo
interessante evocar o fato de que, além das características científicas do
método, existem também elementos religiosos. Como médico psiquiatra, Sigmund
Freud agia dentro de perspectivas epistemológicas, e ainda que críticos tenham
questionado o valor científico da psicanálise, sem dúvida Freud seguiu
parâmetros bastante rigorosos. Conquanto atualmente o fato de psicanalistas
escrutarem os sonhos dos analisados no intuito de tentar compreender o
inconsciente em busca da causa relativa aos problemas mentais e
consequentemente da cura necessária pareça uma circunstância corriqueira, ao
analisar essas manifestações oníricas, Freud enveredava por caminhos obscuros.
Há tempos os seres humanos lidam com tentativas de entender os mecanismos e os significados
dos sonhos, e não raramente essas tentativas expressam-se através de oráculos e
outras artes divinatórias. Mesmo as mais relevantes tradições religiosas não
escaparam do fascínio exercido pelos sonhos. Por exemplo, é possível encontrar
na Bíblia menções a sonhos simbólicos que preconizavam acontecimentos e
aconselhamentos que favoreciam a solução diante de situações consideradas muito
complexas.
Para
além das referências religiosas e da teoria psicanalítica acerca do tema,
existe o fato da experiência em si mesma. O sonho ocorre na existência dos
indivíduos como uma elaboração inconsciente em que se mesclam certa narrativa
parcialmente razoável e inúmeros elementos desconexos que muito frequentemente
desafiam a compreensão daquele que se dedica a interpretá-lo. Por vezes,
relatamos ou testemunhamos relatos de sonhos considerados absurdos. Situações
confusas como se encontrar em um determinado ambiente, e no instante seguinte
perceber-se subitamente em outro ambiente diverso sem que tenha havido
deslocamento, ou então circunstâncias em que certas pessoas se transformam em
outra de aparência diferente, ou ainda mesmo se metamorfoseiam em criaturas
animalescas, tudo isso acontece no decorrer do fenômeno onírico sem que
subsista nele próprio qualquer justificativa. De fato, a participação do
absurdo na estrutura dos sonhos dificulta bastante sua decodificação, no
entanto, devemos também admitir que essa característica talvez tenha um
significado capaz de nos auxiliar no entendimento do mecanismo interno dos
sonhos.
De
onde provém essa característica do absurdo presente no sonho? Por que o fenômeno
onírico não segue o padrão lógico e razoável do discurso consciente? Para a
psicanálise, trata-se de uma questão fundamental. Para abordá-la, é necessário
compreender que a mente humana costuma manter um estado satisfatório de
consciência quando em estado de vigília, mas assim que adormece, essa
consciência decai substancialmente, fazendo com que percamos o contato com a
realidade desperta. Passamos a viver então experiências não verdadeiras em que
recordamos coisas relacionadas à nossa existência ou criamos fantasiosamente
situações que se sucedem geralmente sem padrões fixos, e que podem
interromper-se de súbito sem que isso represente qualquer perda significativa
para o indivíduo. Pode-se sonhar com um acidente – aéreo, automobilístico ou de
qualquer outra espécie – sem que existam consequências físicas ao despertar. No
sonho, a diminuição do potencial consciente desfavorece a atuação da lógica,
das situações racionalmente concatenadas, suscitando o fator do absurdo como
elemento constitutivo do fenômeno onírico. De certo modo, podemos afirmar que a
razão ou a lógica decorrente desta desenvolve-se mais frequentemente em um
movimento linear, baseadas no estado de consciência, no entanto, quando
entorpecidas pelo sono, surgem lacunas nesse movimento linear, situação essa
que favorece o acontecimento de saltos na narrativa dos sonhos, causando
consequentemente a impressão do absurdo.
A
tese freudiana de que no sonho manifestam-se desejos reprimidos no inconsciente
auxilia na compreensão desse elemento absurdo contido na estrutura onírica. De
fato, a repressão dos desejos consiste justamente em retirar do eu consciente
aquilo que dá a impressão de ter pouca conveniência – quase sempre sob a
influência repressora do superego – e enterrar tudo no inconsciente. Quando o
que foi reprimido ressurge no sonho, na maioria das vezes mescla-se a outros
elementos – fatos relativos ao cotidiano, recordações do passado, cenas
marcantes de filmes ou da literatura, etc. –, tornando mais complexa a
interpretação. Se o analista tentasse decifrar o sonho como um todo, ou seja,
como uma narrativa linear, decerto teria imensas dificuldades. Por isso, é
necessário separar as diversas partes do sonho, analisando cada qual
particularmente, assim aplicando aos símbolos ali existentes alguma forma de
explicação cabível.
Também
é interessante observar que a simbologia e seus significados têm duas vias
comuns de interpretação: a primeira consiste em atribuir aos sonhos de todos os
indivíduos sentidos de teor universal. Por exemplo, a visão de uma serpente
deve ser entendida como representação do falo, a visão de animais selvagens
como a força dos instintos, etc. Se a mesma justificativa pode ser utilizada
com todos os indivíduos, isso demonstra que existem símbolos culturalmente
válidos para todas as pessoas – naturalmente, seria interessante estudar essa
questão em particular sob a perspectiva dos arquétipos propostos por Carl G.
Jung, contudo, isso exigiria um ensaio específico. A segunda via de
interpretação leva em consideração a vida peculiar do indivíduo analisado,
interpretando aspectos dos sonhos não como manifestação de símbolos universais,
e sim como elaborações vinculadas às experiências pessoais do sujeito. Caso o
indivíduo tenha sido atacado por um cão feroz durante a infância, talvez essa
situação tenha ocasionado receios que se expressam constantemente em sonhos nos
quais se revive a circunstância desagradável. Neste caso, cabe ao psicanalista
descobrir a melhor via de interpretação no intuito de oferecer ajuda ao
analisado.
Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).
domingo, 15 de abril de 2018
domingo, 8 de abril de 2018
domingo, 1 de abril de 2018
TRANSTORNO DISSOCIATIVO DE PERSONALIDADE: UMA QUESTÃO
O fracionamento da personalidade em duas
ou mais identidades distintas, situação que caracteriza o Transtorno
Dissociativo de Personalidade (TDP), tem sido estudado por especialistas que se
dedicam a investigar os fenômenos relativos à psique humana – psiquiatras,
psicólogos e psicanalistas – no intuito de compreender as origens do problema,
oferecendo consequentemente um tratamento psicotrópico quando necessário, muito
frequentemente acompanhado também de terapia. Não seria incomum que outras
áreas do conhecimento tentassem entender tal questão, oferecendo contribuições
relevantes ao debate. Isso sucede quando filósofos se dedicam à análise dos
casos característicos, mas igualmente quando artistas debruçam-se sobre esse
transtorno, elaborando obras que refletem a estrutura psíquica de indivíduos
portadores dessa enfermidade. Por isso, encontramos exemplares como o
personagem duplicado do romance O Duplo, escrito por Fiódor Dostoievski, e o
homenzinho dúbio e traiçoeiro que às vezes se manifesta como Smeagol – embora
em outras ocasiões se transforme em Gollum – na obra O Senhor dos Anéis, de J.
R. R. Tolkien. Como o tema é estimulante, sem dúvida, não me furto a tentar
decifrá-lo, tencionando talvez ensaiar alguma resposta no intuito de explicar
as origens sombrias desse transtorno.
Conservar unida a estrutura da
personalidade significa manter um grau equilibrado de consciência. Todo aquele
que é consciente de si mesmo em um estágio considerado dentro da normalidade ou
até mesmo em um padrão elevado dificilmente sofre a dissociação de
personalidade. Tal consciência resume-se em conhecer-se bem, e não somente
isso, mas conhecendo-se, também se reconhecer naquilo que é conhecido, ou seja,
existe uma aprovação intelectual do que se é, chegando-se ao ponto de se
desenvolver uma relação afetiva consigo mesmo, relação de amor-próprio. Se o
indivíduo convive em harmonia com suas características pessoais, se não rejeita
seu modo particular de ser, o mais provável é que seu estado psicológico
funde-se sobre essa unidade aludida. Nesta situação, um quadro de transtorno
dissociativo de personalidade provavelmente não se desenvolverá.
Recordando o personagem Smeagol, é
interessante mencionar que sua natureza sinistra e bifurcada manifesta-se
parcialmente submisso e bondoso, e em sua versão dupla como alguém maldoso e
dominador. Seu perfil representa um diagnóstico de transtorno dissociativo de
personalidade, ocasionalmente também conhecido como dupla personalidade. Cabe
observar que Smeagol tem uma história pessoal, e essa história justifica o
surgimento de sua personalidade dupla. Tendo encontrado o anel de Sauron
casualmente, Smeagol assassina seu primo Déagol no intuito de possuir sozinho o
achado. Trata-se de um anel poderoso, capaz de corromper quem o possui, e isso
acontece com o personagem em questão. Smeagol esconde o corpo da vítima, e o
crime permanece desconhecido. Pode-se interpretar aqui o homicídio como algo
capaz de atormentá-lo, não fosse o expediente de ocultar o fato – isto
naturalmente nos remete às verdades traumáticas ou indigestas que costumam ser enterradas
no inconsciente, a fim de que o eu consciente não tenha que encarar o problema.
No entanto, camuflar o crime ainda não é o bastante: o indivíduo necessita
constituir uma personalidade alternativa a fim de se desvestir totalmente da
natureza criminosa. A nova personalidade – o duplo – age com relativa
independência, e sobretudo não se sente na obrigação de dar satisfação dos
crimes, pecados, equívocos, ou defeitos de caráter da personalidade original.
De tudo que foi dito, conclui-se que o crime estabelece uma espécie de crise,
algo que deveria ser expiado no intuito de restabelecer a unidade. Como isso
não acontece, o ato criminoso se mantém como um elemento inconveniente, devendo
ser evitado a todo custo.
Dentro do processo psicanalítico, cabe
desenvolver uma investigação tentando compreender o relacionamento do analisado
com sua própria autoimagem. Há questões profundas e mal resolvidas? Há verdades
escamoteadas no passado, lembranças a serem evitadas? Se há, deve-se trabalhar
no sentido de trazer â tona o que foi escondido com a intenção de produzir o
confronto com essa realidade. Quando a situação é dolorosa – e muito
costumeiramente acontece de ser –, urge ao psicanalista utilizar-se de uma boa
dose de humanidade no intento de auxiliar o analisado no processo sem que este
sofra demasiadamente ou sucumba no decorrer do tratamento. Mesmo que a
psicanálise possa conduzir o indivíduo a enfrentar verdades sofridas, isso não
significa que a análise seja vivenciada como uma espécie de tortura ou um
embate destruidor. É importante que o psicanalista direcione a coisa de maneira
a que surjam as descobertas com bastante naturalidade, e sobretudo que não
ocorram novos traumas. Por isso, o tratamento psicanalítico é caracterizado por
um período longo e constante: desse modo, o que se conserva oculto brota sem
tantos constrangimentos.
Provavelmente ainda se estudará e se escreverá bastante acerca do
Transtorno Dissociativo de Personalidade. Este breve ensaio pretende somente
aventar algumas hipóteses possíveis sobre suas causas e a abordagem terapêutica
usada a fim de solucionar essa questão. Nunca se deve esquecer que os mistérios
da psique humana continuam desafiando aqueles que se dedicam a entendê-la, e
que a psicanálise, mais especificamente, permanece um campo estimulante de
investigação.
Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).
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