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domingo, 1 de abril de 2018

TRANSTORNO DISSOCIATIVO DE PERSONALIDADE: UMA QUESTÃO




O fracionamento da personalidade em duas ou mais identidades distintas, situação que caracteriza o Transtorno Dissociativo de Personalidade (TDP), tem sido estudado por especialistas que se dedicam a investigar os fenômenos relativos à psique humana – psiquiatras, psicólogos e psicanalistas – no intuito de compreender as origens do problema, oferecendo consequentemente um tratamento psicotrópico quando necessário, muito frequentemente acompanhado também de terapia. Não seria incomum que outras áreas do conhecimento tentassem entender tal questão, oferecendo contribuições relevantes ao debate. Isso sucede quando filósofos se dedicam à análise dos casos característicos, mas igualmente quando artistas debruçam-se sobre esse transtorno, elaborando obras que refletem a estrutura psíquica de indivíduos portadores dessa enfermidade. Por isso, encontramos exemplares como o personagem duplicado do romance O Duplo, escrito por Fiódor Dostoievski, e o homenzinho dúbio e traiçoeiro que às vezes se manifesta como Smeagol – embora em outras ocasiões se transforme em Gollum – na obra O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien. Como o tema é estimulante, sem dúvida, não me furto a tentar decifrá-lo, tencionando talvez ensaiar alguma resposta no intuito de explicar as origens sombrias desse transtorno.

Conservar unida a estrutura da personalidade significa manter um grau equilibrado de consciência. Todo aquele que é consciente de si mesmo em um estágio considerado dentro da normalidade ou até mesmo em um padrão elevado dificilmente sofre a dissociação de personalidade. Tal consciência resume-se em conhecer-se bem, e não somente isso, mas conhecendo-se, também se reconhecer naquilo que é conhecido, ou seja, existe uma aprovação intelectual do que se é, chegando-se ao ponto de se desenvolver uma relação afetiva consigo mesmo, relação de amor-próprio. Se o indivíduo convive em harmonia com suas características pessoais, se não rejeita seu modo particular de ser, o mais provável é que seu estado psicológico funde-se sobre essa unidade aludida. Nesta situação, um quadro de transtorno dissociativo de personalidade provavelmente não se desenvolverá.

Recordando o personagem Smeagol, é interessante mencionar que sua natureza sinistra e bifurcada manifesta-se parcialmente submisso e bondoso, e em sua versão dupla como alguém maldoso e dominador. Seu perfil representa um diagnóstico de transtorno dissociativo de personalidade, ocasionalmente também conhecido como dupla personalidade. Cabe observar que Smeagol tem uma história pessoal, e essa história justifica o surgimento de sua personalidade dupla. Tendo encontrado o anel de Sauron casualmente, Smeagol assassina seu primo Déagol no intuito de possuir sozinho o achado. Trata-se de um anel poderoso, capaz de corromper quem o possui, e isso acontece com o personagem em questão. Smeagol esconde o corpo da vítima, e o crime permanece desconhecido. Pode-se interpretar aqui o homicídio como algo capaz de atormentá-lo, não fosse o expediente de ocultar o fato – isto naturalmente nos remete às verdades traumáticas ou indigestas que costumam ser enterradas no inconsciente, a fim de que o eu consciente não tenha que encarar o problema. No entanto, camuflar o crime ainda não é o bastante: o indivíduo necessita constituir uma personalidade alternativa a fim de se desvestir totalmente da natureza criminosa. A nova personalidade – o duplo – age com relativa independência, e sobretudo não se sente na obrigação de dar satisfação dos crimes, pecados, equívocos, ou defeitos de caráter da personalidade original. De tudo que foi dito, conclui-se que o crime estabelece uma espécie de crise, algo que deveria ser expiado no intuito de restabelecer a unidade. Como isso não acontece, o ato criminoso se mantém como um elemento inconveniente, devendo ser evitado a todo custo.

Dentro do processo psicanalítico, cabe desenvolver uma investigação tentando compreender o relacionamento do analisado com sua própria autoimagem. Há questões profundas e mal resolvidas? Há verdades escamoteadas no passado, lembranças a serem evitadas? Se há, deve-se trabalhar no sentido de trazer â tona o que foi escondido com a intenção de produzir o confronto com essa realidade. Quando a situação é dolorosa – e muito costumeiramente acontece de ser –, urge ao psicanalista utilizar-se de uma boa dose de humanidade no intento de auxiliar o analisado no processo sem que este sofra demasiadamente ou sucumba no decorrer do tratamento. Mesmo que a psicanálise possa conduzir o indivíduo a enfrentar verdades sofridas, isso não significa que a análise seja vivenciada como uma espécie de tortura ou um embate destruidor. É importante que o psicanalista direcione a coisa de maneira a que surjam as descobertas com bastante naturalidade, e sobretudo que não ocorram novos traumas. Por isso, o tratamento psicanalítico é caracterizado por um período longo e constante: desse modo, o que se conserva oculto brota sem tantos constrangimentos.

Provavelmente ainda se estudará e se escreverá bastante acerca do Transtorno Dissociativo de Personalidade. Este breve ensaio pretende somente aventar algumas hipóteses possíveis sobre suas causas e a abordagem terapêutica usada a fim de solucionar essa questão. Nunca se deve esquecer que os mistérios da psique humana continuam desafiando aqueles que se dedicam a entendê-la, e que a psicanálise, mais especificamente, permanece um campo estimulante de investigação. 

Gabriel Santamaria é autor de O Evangelho dos Loucos (romance), No Tempo dos Segredos (romance), Assim Morre a Inocência (contos), Destino Navegante (Poemas), Para Ler no Caminho (Mensagens e Crônicas).

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