" " NOVA CASTÁLIA: ENTREVISTA COM A POETA MARIANA BASÍLIO

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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

ENTREVISTA COM A POETA MARIANA BASÍLIO





Mariana Basílio (Bauru – SP, 1989) é poeta e tradutora. Autora de Nepente (Giostri, 2015) e Sombras & Luzes (Penalux, 2016), atualmente versa os livros Megalômana e Tríptico Vital. Tem traduções e poemas publicados em revistas do Brasil e de Portugal, como alagunas, DiversosAfins, escamandro, Garupa, Germina, InComunidade, mallarmagens, Odara, Raimundo, entre outros.
Contato: Site da Autora.

GABRIEL SANTAMARIA: Mariana, são dois livros de poesias já publicados em sua carreira: Nepente e Sombras & Luzes. Fale um pouco a respeito desses trabalhos.
MARIANA BASÍLIO: Escrevo desde os 16 anos, sem nunca ter tido ideia ou real desejo de ser uma escritora publicada. Com o passar dos anos, algo dentro de mim soprou para a direção de que eu tentava me desvencilhar – a de que eu só existiria plenamente como poeta. Engavetei poemas por quase dez anos. Aos 25 tive um insight final e inicial. Pensei: agora ou nunca. Então reuni meus escritos, que preencheram as paredes do meu escritório, e digitalizei parte deles. Posteriormente, construí meu primeiro livro.
Nepente (Giostri, 2015, 84 p.), na Odisseia simboliza uma poção contra a tristeza e o sofrimento. O livro foi escrito em seis meses e publicado seis meses depois, em 18 de julho de 2015. Uma coletânea de 27 poemas sobre os sentidos da vida, da natureza e dos sentimentos que nos enredam. Representa uma tentativa de me assumir para mim mesma, e de contar aos outros quem realmente eu sou: uma poeta. É um livro bem imaturo e travado, não o aprecio hoje mas respeito por ter me levado adiante.
Sombras & Luzes (Penalux, 2016, 282 p.), por sua vez, é uma ode à união dos contrários, que para mim condicionam a vida e o que somos enquanto humanos. Foi escrito em dois anos, revisado por mais um e publicado em 30 de novembro de 2016. Considero meu real primeiro livro como poeta, pois tive uma aceitação plena do ofício e da responsabilidade de trabalhar com a maior potência que eu pudesse, nos limites da juventude e do início de carreira. A obra tem maior fluidez, ritmo, qualidade. Uma coletânea de 100 poemas, 10 fluxos e 10 fluidos poéticos, com participação de poetas da nova e antiga geração das literaturas brasileira e portuguesa: Adriano Espínola, Filipe Marinheiro, Luis Augusto Cassas e Marcelo Ariel. Foi essencial ver esse livro nascer, me deu ainda mais certeza do quanto eu quero seguir no que amo fazer.
GABRIEL SANTAMARIA: Geralmente a formação de quem se dedica à literatura abrange verso e prosa, e suponho que você tenha bebido em ambas as fontes. Em que momento você compreendeu que sua vocação conduzia à escrita poética e o que despertou essa compreensão?
MARIANA BASÍLIO: Não houve um momento preciso, foi um processo de aceitação que levou mais de uma década: notei que minha função era expandir as palavras, com a liberdade de um escultor, como diz Octávio Paz em “O Arco e a Lira” para diferenciar prosa e poesia. Mas já escrevi o início de um romance e também algumas crônicas e contos. Gosto de escrever, mas não vejo que serão gêneros de minha primeira vertente. A poesia é para mim a principal fonte. Leio todos os gêneros literários, sou fascinada na prosa pelo Anton Tchekhov, Liev Tolstói, Hermann Hesse, Virginia Woolf, Clarice Lispector, Honoré de Balzac, Guimarães Rosa, Machado de Assis, etc. Na poesia, por Homero, Dante Alighieri, William Shakespeare, William Blake, Gil Vicente, Walt Whitman, Ezra Pound, Emily Dickinson, Elizabeth Bishop, Herberto Helder, Alejandra Pizarnik, Carlos Drummond de Andrade, Jorge de Lima, Cecília Meireles, Hilda Hilst, entre outras tantas vozes, infinitas.
GABRIEL SANTAMARIA: Sua poesia aborda, às vezes, a sutileza e a matéria mais carnal. Por exemplo: A saudade engole a gente, menina. / Não adianta banhar-se em flores, / esconder-se no canto cadente, / sob a fome e o frio. / A saudade engole as gotas de orvalho, / desprendidas, perecíveis / e lança-nos a um precipício / fúnebre e cálido, / feito das sombras / de toda vossa carne. / A saudade engole nossos poros, / e rodopia rodopia rodopia / nas raízes, nos néctares / de pêssegos e passas. Para você, essa convivência com elementos tão díspares – saudade, sombras, carne, pêssego, etc. – representa um conflito permanente ou tudo se soluciona no âmbito da poesia?
MARIANA BASÍLIO: É interessante essa amostra, que deve ter saído em alguma revista, porque esse poema acabou ficando fora do Sombras & Luzes, após lapidação do conjunto mais fechado da obra. Mas gosto da ideia que ele carrega, e que também permeia o restante da obra. O prefaciador, poeta português Filipe Marinheiro, reafirmou a minha impressão: talvez se trate de uma obra pós-surrealista.
Vejo que não se trata de convivência, e sim de relação, integração. Há saudade porque existem buracos, falências, travessias, sombras – dessas existências, há um conjunto de poderes da natureza que ultrapassam nossas razões: está aí um pêssego inesperado em qualquer das mesas e árvores que possamos apostar os olhos a arder.
Mas nada se solucionaria com a poesia ou em poesia. Se tudo fosse solução não existira por que existir a vida. O que somos é uma intenção, e das intenções as estrelas estão fixas – mas não. Compreende? Há uma vastidão, é nela que precisamos buscar o que não sabemos. Disso nasceu e vive a poesia.
GABRIEL SANTAMARIA: Sua obra dialoga com Herberto Helder, William Blake, Percy Shelley, Walt Whitman, Ruy Belo, Luiza Neto Jorge e Hilda Hilst. Quais são as questões essenciais desse diálogo literário e em que sentido se dirigem suas respostas?
MARIANA BASÍLIO: Minha obra dialoga não só com esses autores, mas com todos
aqueles que percorreram meus anos como leitora, e agora como leitora-escritora – um ato diferencial, mas ainda apaixonado. Dialoga também com o inexprimível, com o silêncio que me atordoa os dias numa sociedade pútrida como a nossa. Dialoga com o que não sei e aprendo a partir dessa “enxada ôntica”, nas palavras de Marcelo Ariel no antiprefácio do Sombra & Luzes, com a qual eu excedo e costuro minhas palavras.
Não são questões existentes, são previsões, providências, prolixidade, percepções para se viver e sobreviver emancipando minha própria humanidade. Esse é o meu parâmetro de leitora. Antes disso, e bem sei, como leitora-escritora, mudou um pouco esse viés. Porque agora seleciono e relaciono o que lerei a partir da teia imaginativa dos projetos que escrevo.
Não trago respostas, trago tênues provocações.
GABRIEL SANTAMARIA: Você é uma representante da nova geração de poetas brasileiras. Quais são os desafios de escrever poesia no Brasil atualmente?
MARIANA BASÍLIO: Importante ressaltar nesse momento: poeta. Não suporto o termo “poetisa”, mas respeito quem o utilize, dependendo do contexto e da própria pessoa. Sei que há um longo e complexo caminho para se chegar ao porquê de nossa escolha gramatical. A primeira coisa para lembrar a quem me lê: não é frescura. Não é feminismo radical. É tentativa de sobrevivência, de resistência, numa sociedade que continua machista, numa área em que prêmios e festivais ainda mostram o predomínio de homens, mesmo com o crescimento de autoras mulheres, de autores negros e negras, de grupos LGBT.
É preciso persistir e trabalhar com seriedade, estudar muito, ler e conhecer a história da Poesia e da Literatura. Quebrar paradigmas, cânones, mas repetir para aprender e criar para renovar, como aconselha Pound.
É preciso quebrar as barreiras, escrever o que você sente que é da sua essência e deixar sua mensagem aos cantos que puder – não importando que você não se encaixe com outros pares de sua época, que o machismo exista, que as premiações e grandes editoras não se interessem talvez pelos seus escritos herméticos – escrever, enfim, aberta para que cada trabalho seja único e importante.
GABRIEL SANTAMARIA: Há um verso seu que diz: Como se beijasse o milagre da vida. O que neste mundo, às vezes tão confuso e chocante, conserva o status de milagre?
MARIANA BASÍLIO: O Amanhecer. Nada mais edificante, intrigante, devorador, insuficiente, do que acordar mais uma vez e ver que tudo mudou ou nada mudou. Nunca saberemos quando não iremos mais acordar. Amanhecer é para mim o epicentro da questão de qualquer milagre já fundado ou que irá se estabelecer em nosso imaginário.
GABRIEL SANTAMARIA: Você é pedagoga de formação. Quando no processo educativo a poesia é trocada por letras de músicas populares, isso o que representa para a construção intelectual do aluno?
MARIANA BASÍLIO: Primeiramente, a Poesia, o conceito do que seja, pertence a todas as artes. Existe poesia em tudo o que realmente toca o ser humano. Além do fato de sabermos que a poesia, aqui específica na área literária, surgiu da oralidade, da canção. Não me incomoda letras de músicas populares serem apontadas como forças poéticas, pelo contrário. O que mais me incomoda no sistema educacional é o seu frágil funcionamento. Com raras exceções, há um descaso completo existente, principalmente na educação pública. Mas voltando à questão de letras apontadas como poesia, vejo que tudo é interdisciplinar, deveriam mostrar sempre um pouco de tudo e muito mais. Todos têm o direito de conhecer de Dante a Chico Buarque, de Camões à Karol Conka. Tudo é importante e precioso para compreensão do complexo social que vivemos.
GABRIEL SANTAMARIA: Li um poema do seu próximo livro Megalômana: o poema se chama Dentro de mim há um vasto lírico sentimental. Dentro de você, Mariana Basílio, há um segredo revelado a todos ou somente a uns poucos escolhidos?
MARIANA BASÍLIO: Dentro de mim, como diz o mesmo poema, “É o vento a queimar o esplendor do dia. / É o escuro das ruas a perpetuar a / Memória incendiária, libertando / O estado retilíneo das coisas”.
Todos nós temos segredos silenciosos só nossos e de mais ninguém. Há outros para alguns mais chegados e outros, mais importantes, que podemos partilhar com a nossa coletividade. É uma das razões pelas quais esparramo minhas imagens ao vento.
GABRIEL SANTAMARIA: A poesia esgota seu impulso de expressão ou sempre existirá algo necessariamente indizível?
MARIANA BASÍLIO: Sempre existirá algo indizível, é por isso que eu sei, escrevo há 13 anos e escreverei até o fim da minha existência.
GABRIEL SANTAMARIA: Pode-se identificar uma linha condutora entre todos os seus trabalhos? Em caso afirmativo, como defini-la?
MARIANA BASÍLIO: Pode-se sim, há uma essência, que acredito, todos possuímos em tudo que fazemos, um traço, que salta de nossa personalidade, de nossa aura. Mas são projetos muito diferentes em si, cada um vai para um lado da roda-viva que permeia meu ser.
Expliquei um pouco na primeira pergunta sobre as ideias de Nepente e Sombras & luzes, o que eu posso fazer nesse momento é acrescentar um pouco do que se molda atualmente em meus próximos livros.
No livro Tríptico Vital, que será minha homenagem à Hilda Hilst, há uma tríade que permeia as etapas de desenvolvimento das nossas ideias perante o mundo, denominadas Do Sentir, Da Experiência e Da Extensão.
No livro Megalômana, dedicado à memória das poetas e artistas brasileiras, trato com fina ironia e densidade sobre o conceito de loucura implantado pela nossa sociedade, sobre o machismo e sobre o capitalismo que dogmatizam a essência da razão em nossa cultura.
Já o mais distante, Kairós, é um épico no qual registro contemporaneamente a crise de valores e crise de concretude do que somos, poderíamos ou deveríamos prever e haver, vivendo no intrigante Século XXI.
Logo, defino que há um cordão umbilical invisível que manifesta uma força ôntica que tinge as nuances do que sou e do que poderei ser daqui em diante.
Sigo. Pulsando, tecendo, prevendo a poiesis que existe em cada novo instante.

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